quinta-feira, 16 de outubro de 2008

por favor, não leia este texto!

Pronto, já avisei. Tenho certeza de que até hoje nunca toquei em um assunto tão polêmico e desafiador, pois tenho a absoluta convicção que todas as pessoas que lêem este blog irão discordar da minha colocação. Bom, cada um tem a sua opinião.
Vou direto ao assunto: Sou a favor do sistema de cotas para estudantes egressos de escolas públicas e, acredite, também sou a favor do sistema de cotas para negros.
Sei que você é contra, pois é integrante da classe média ou acima dela e, infelizmente, ainda esbarramos na questão da apartheid social, ao discutir esse tipo de questão aqui no Brasil. Mas peço que, mesmo tu sendo contra, que leia até o fim e tende repensar algumas coisas que serão colocadas.

Como eu gosto mais do problema racial do que do problema social, começarei por ele e, como de costume, apelando para a história. Peguemos o exemplo da escravidão americana. Os Estados Unidos tiveram uma escravidão tão terrível quanto a do Brasil, apesar de libertarem os negros um pouco antes do que os nossos tataravôs. Há também uma informação (que eu confesso nunca ter verificado na literatura, ou seja, não confirmo sua veracidade), de que se deixou para uma população negra, quarenta alqueires (é bastante terra) e algumas mulas, para que pudessem ter algo inicial em suas atividades, afinal, o que o negro sabia fazer durante a escravidão além de “ser escravo”?


Ainda sobre aquele país, mesmo com o decreto a contragosto do seu Abraham Lincoln, presidente na época, de que todo cidadão americano deveria ser tratado como igual, a partir daquela data, alguns Estados deram um jeito de burlar a lei e mantém até hoje, por exemplo, provas de conhecimentos e condições de renda mínima inatingíveis para os ex-escravos, para que uma pessoa tenha direito ao voto.


Curiosamente, os Estados da Louisiana e Mississipi, onde essa estupidez existe, são dois dos Estados mais pobres e menos desenvolvidos dos Estados Unidos.


Aqui no Brasil não teve nada dessa história de mulas e terras para negros, não: Fomos o último país a nos livrar da escravidão e ainda jogamos os explorados e humilhados na mais dura miséria. A única coisa que um negro tinha, em 1888 era o direito de ser livre. Ou não, pois no interior de Minas Gerais, na década de 60, minha mãe testemunhou a presença de gente, filhos de ex-escravos, que trabalhavam praticamente como escravos, apenas sem o auxílio da chibata. E isso era muito comum.


Ou seja, o que é que os nossos tataravôs, avôs e nós mesmos demos ao negro como reparo, pedido de desculpa ou medida de inclusão social, depois de esses anos todos? Tiramo-nos da África à força, exploramo-nos e, quando vieram os direitos humanos, os condenamos à pobreza e impossibilidade de desenvolvimento!


Não me venha dizer que existem negros que conseguiram subir na vida, pois é evidente que isto se trata de uma exceção. Quantos negros havia na sua sala de aula de colégio particular? Um ou dois? E no colégio inteiro? Não passavam de 1%, certamente.


Para piorar a situação que deixamos os ex-escravos, ainda resolvemos discriminá-los como inferiores e fora dos padrões de estética, por exemplo. Eu tenho amigos racistas, que em seus discursos de falso-moralistas, negam ser. Mas contam piadas racistas, evidentemente pelas costas, de algum eventual amigo negro. (Amigo?)


Não me interessa que piorem a qualidade do ensino público (este é o argumento utilizado pelos privilegiados da minha classe social), o importante é que uma vaga cedida a um negro é uma ferramenta de inclusão social ou até mesmo um pedido de desculpas, mesmo que seja tardio. Finalmente ele poderá fazer parte do mundo desenvolvido dos brancos, sem a falácia de que o sistema de cotas em si é racismo. Pelo amor de Deus, analisando a história desse povo aqui no nosso país, falar uma coisa dessas é ser idiota. Um negro já nasce tendo que lutar para ser aceito, para ser alguém na vida, tendo que se acostumar com olhares de desconfiança e/ou arrogância. (Sabemos que muitos pais de amigos nossos não aceitariam o namoro de seu filho ou filha com um negro ou com uma negra. Lamentável).


A prioridade primeira em qualquer país ou sociedade é a igualdade dos seus cidadãos e, como se vê, os negros ainda não conseguiram conquistá-la. Há 120 anos.

A lógica do sistema de cotas para ensino público não é a mesma, evidentemente. É, porém mais simples. Na época dos meus pais, um aluno de escola pública e outro de particular concorriam com as mesmas condições para uma vaga no ensino superior. Hoje em dia, sabemos que não é esta a realidade. A quantidade de alunos nas universidades, vindo das escolas públicas é um número ridículo. Temos maciçamente gente de colégio particular freqüentando a universidade gratuita, o que é um paradoxo.


Entendo que a entidade Universidade deve ser constituída pelo universo diversificado que é a população de um país: gente de todo tipo. Não tem o menor cabimento que um país pobre como o nosso, mantenha toda uma estrutura, que custa muito caro, para manter os ricos no ensino superior.


E lá vem, novamente, o argumento de que a qualidade do ensino cairia, partindo do pressuposto de que os alunos de escolas públicas (generalizarei de pobres) são inferiores, pois não tiveram base nenhuma.


Isso pode até ser verdade, apesar da minha suspeita de que a maioria dos alunos da escola particular também não teve boa base e passou graças aos equipamentos e professores do cursinho pré-vestibular. Mas desconsiderando este fato, acredito que a defasagem não é tanta assim. Talvez o fato de existir uma chance real de se ter uma graduação na Universidade pública faça com que a mobilização para o vestibular no ensino médio e público mude e aumente a competitividade entre aqueles alunos, elevando, desta maneira o seu nível. É uma suposição sem bases, como a de quem diz que os alunos de escola pública são inferiores aos de escola particular. Outro fator importante nessa história toda é a questão do preconceito que sabemos que existe. Entendo que somente o convívio vai tirar o preconceito dos que já criaram apelidos, como “cotistas” e outros mais pejorativos.


A questão do preconceito é muito presente nas nossas vidas. Nosso padrão é ser branco, heterossexual e não ser pobre. Quem não estiver nesta condição, sofre.


Sei do quão duro é o concurso do vestibular para quem investe tempo e dinheiro. A vida parece ter apenas um caminho, que é o de entrar na universidade pública. Deve ser mais penoso ainda, perder a vaga para um candidato com pontuação inferior. Evidente que o ideal seria que se criassem vagas adicionais para esse esquema de cotas. Também não sou nenhum imbecil para não concordar que "o ideal é que se invista na base para que todos possam chegar com iguais condições": isso é óbvio. Mas alguém me explica como fazer isto da noite para o dia? Demoram 20 anos, no mínimo. Como criar novas vagas também não deve ser possível, creio que a sociedade deve abrir mão de todas estas perdas a fim de finalmente colocar todos seus cidadãos em iguais condições de desenvolvimento pessoal.

8 comentários:

Anônimo disse...

adorei ler o texto, ótima pauta pra nossa discussão de terça-feira.
eu mesma passei de vestibulanda injustiçada pelo sistema de cotas pra brasileira que deseja viver em um país melhor. bem clichê, assim..
mas não há dificuldade em, ao ler um texto ou observar o que acontece ao redor, um indivíduo deixar seus pontos de vista superficiais de lado e encarar os problemas com mais realismo e compaixão.
um país com igualdade é aquele que trata o povo com eqüidade.. para que todos estejamos em uma situação igualitária no final das contas, o tratamento que devemos receber deve ser diferenciado, pois temos necessidades diferenciadas.
um dia, medidas desse tipo não serão necessárias.. todos teremos as mesmas condições e, assim, seremos todos iguais.

Anônimo disse...

Maria: conseguisse resumir exatamente o que eu quis escrever nessas linhas todas. Perfeito!

Anônimo disse...

eu defendo o sistema de cotas como uma ferramenta de inclusão social, não como solução pra educação no brasil

Anônimo disse...

Sábado, Maria e Dudu comentaram que tinhas escrito algumas coisas no teu blog..por isso, vim dar uma olhada. Achei muito legal da tua parte teres escrito sobre um assunto tão polêmico como as cotas. Olhando os comentários, encontrei um descrevendo basicamente o que penso e acredito: as cotas devem ser usadas como um instrumento para a inclusão social, não como solução para os problemas(muitos, por sinal)da educação brasileira. Não é justo que negros (como mesmo citas no teu texto, injustiçados desde a escravidão)e os menos favorecidos sejam impossibilitados de frequentarem o ensino superior, por não terem condições de bancarem um cursinho particular, condição essa, essencial(claro, há exceções) nos dias de hoje para ingressar numa universidade pública.
Porém, como disse, as cotas devem ser somente um meio para a inclusão social, devendo nós, cidadãos brasileiros, encararem a situação caótica da educação do nosso país. Para isso, precisamos exigir dos governantes mudanças e atitudes em relação esse quadro e, acreditar que um dia viveremos sim, em um país com mais igualdade social.

Ah, e em relação ao teu comentário sobre a cena que presenciastes, acredito que naquela discussão estávamos diante de pontos de vista diferentes, não estando em discussão, a inteligência ou não do outro. Aquilo era uma questão de visões divergentes, não sendo nenhuma mais certa ou errada(nem mais inteligente ou não) do que a outra.
Da próxima que nos encontrarmos, falaremos sobre o inter..acho q pelo menos nisso, não teremos problemas!

Anônimo disse...

Eu acho válido essas cotas, mas acho também, que pelo simples fatos delas existirem, muitas pessoas que se enquadram nelas, se acomodam e tentam como muitos "mamar na teta do governo". Exempolo disse é tantas e tantas pessoas com condições inscritas e ativas em programas como Bolsa Famíla e por ai vai...
O Governo precisava fazer uma "reciclagem" em seus programas, muitos excelentes, outros com muitas falhas...
Não adianta pegar uma pessoas de favela e querem com que ela se relacione bem com quem cresceu e viveu na parte boa da sociedade, inclusão social, no meu modo de ver, tem que ser desde os primeiros anos de vida do indivídulo.
Abraços

Unknown disse...

OI, primo! Parabéns pelo blog, não sabia que vc tinha um.

Bem, vou ser contrária e discordar, em parte, de seu texto.

Sou a favor de cotas criadas para pessoas de baixa renda, comprovadamente pobres. Acredito que o preconceito no Brasil é muito mais aguçado em relação ao "pobre" que ao "negro" em si. É verdade que a grande maioria dos negros são pobres, mas não é unanimidade.
O preconceito racial (falo de cor da pele mesmo) é indubitavelmente burrice e não será corrigido com o ingresso de negros no ensino superior.

Criando-se vagas para "negros" ocorreria que pessoas dessa raça com melhores condições econômicas e com plenas possibilidades de concorrer com uma pessoa egressa de uma escola particular acabariam por "roubar" a vaga de quem realmente necessita, distorcendo o verdadeiro objetivo de inclusão de tal medida.
Uma frase muito conhecida no Direito para conceituar igualdade é "Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade".

No Brasil o que impede realmente o ingresso em um ensino superior público é a falta de condições financeiras e não a cor da pele. (ao contrário dos EUA, por exemplo, onde a análise de um curriculo para ingresso em faculdades são acompanhados de foto do aluno).

Bem.. essa é minha singela opinião.

Parabéns pela iniciativa mais uma vez.

Beijo!!

Unknown disse...

contra cotas até o fim, e vai ser difícil alguém mudar minha opinião.

- "o ideal é que se invista na base para que todos possam chegar com iguais condições": isso é óbvio. Mas alguém me explica como fazer isto da noite para o dia? -

puxando a comparação pro lado técnico da engenharia que tenho certeza que entendes, nenhuma das mais belas construções ou obras foram feitas da noite pro dia. e normalmente as que mais demoraram pra ficar prontas, são efetivamente mais duráveis (e mais bem pensadas).

pressa é inimiga da perfeição então não me venha com resultados de curto prazo porque eu não vou concordar.

DiogoBertussi disse...

Claro, obras pensadas no longo prazo são as melhores, sem dúvida.

Acontece que nesse meio tempo, existem milhões de jovens pobres e cheios de vontade de estudar que são despejados no mercado de trabalho ao concluir o ensino médio por não terem condições de concorrer com os macetes e aulas-show dos cursinhos.

Façamos uma revolução de olho no futuro, sim. Mas temos que dar um jeito de consertar esse desequilíbrio do presente