quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A Lei do Ficha Limpa e suas falácias

O que tem de gente querendo se aproveitar da Lei Ficha Limpa nestas eleições é uma palhaçada. Agora, parece que com a existência desta nova Lei todos os problemas éticos do Brasil estão resolvidos, que o Ficha Limpa é a salvação moral do país. Ora, pra mim esta Lei é um certificado de burrice ao povo brasileiro.

Vejamos bem, nós votamos em pessoas que vão tomar decisões no nosso lugar. Votamos em quem a gente pensa que tomaria as mesmas decisões que nós, se lá estivéssemos.
Portanto, eu gostaria de crer que, dentre os tantos candidatos a ocuparem estes cargos, se por ventura aparecesse um que já tivesse praticado algum ato ilícito – pior ainda se fosse criminal – ninguém votasse neste sujeito! Quem sabe só sua mãe e ele próprio.

Mas não. O brasileiro é tão alienado dos fatos que acontecem na esfera das decisões dos interesses públicos que se constatou a necessidade de se criar uma Lei que impedisse estes cidadãos de ficha suja a aparecerem como uma opção, entre as tantas outras, ao voto.

Quer dizer, o normal seria que estes caras se candidatassem livremente, e que fossem um fracasso eleitoral!! 

A realidade, porém, é que o brasileiro vai lá e o coloca novamente em um cargo importante.

A realidade, também, é que estes sujeitos de passado sujo não são os mártires do atraso nacional, como se está querendo colocar. O problema do ladrão político é que, além de roubar, claro, ele é incompetente. Isto é, não atende com qualidade aquilo que lhe foi atribuído.

É com sentimento de infortúnio que eu vejo esse bando de candidatos, em sua maioria, buscando um emprego, uma carreira, naquilo que certamente não é sua vocação. Pensa-se que será possível trabalhar pouco, ganhar bem e ser bajulado. Logo, deve ser um bom negócio. E estufam o peito na televisão para dizer que possuem a tal da ficha limpa.

Estes aí é que estragam tudo, que trabalham mal e pouco, e não sabem tomar as decisões importantes que todo o resto da população espera. Dentro desse grupo há um menor, o dos ficha suja, que a população não deu conta de retirar.

Fingir que trabalha e se vangloriar de uma honestidade é ser ficha limpa?



p.s.: a medida que o cara fica mais velho isto se torna mais evidente. Aparecem candidatos se dizendo a "salvação jovem" da nação, mas que a gente se lembra muito bem do colégio, da faculdade e sabe muito bem quais suas intenções.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A conta não fecha


Interrompo brevemente meu tempo destinado aos estudos de faculdade para discorrer minha opinião (organizando-a, deste modo) a respeito de um fato importante que está acontecendo ao meu redor: A greve dos motoristas e cobradores de ônibus de Florianópolis.

Há uma vasta manifestação nas redes sociais e nos meios de comunicação local contrária ao movimento dos grevistas. "Falta de consideração com o trabalhador", "interrupção do direito de ir e vir" e outras falácias são o que bradam os indivíduos afetados pela paralisação – ou seja, a cidade como um todo. Esquecem de que o intuito da greve é, justamente através do incômodo e da revolta da população, pressionar de maneira contundente os governantes da cidade, que por sua vez pressionam os empresários das empresas para que se acabe logo com os transtornos.

Ademais, espero neste texto esclarecer algumas informações sobre transporte público coletivo em geral.

Quem mora em Florianópolis, se já não está acostumado com estas greves a cada três anos, aproximadamente, é melhor se acostumar. Salvo se o modelo de oferta do transporte público na cidade sofrer uma revolução nos próximos anos, elas continuarão acontecendo de tempos em tempos por uma simples explicação: a conta não fecha.

Vamos começar analisando o modelo. O município concede a operação das linhas para que empresas particulares as operem, obtendo a receita das passagens. Cada empresa opera sozinha em uma área da cidade, sem que haja concorrência. Por conta disto, e também por pura incompetência e comodismo, estas empresas se tornaram pouco produtivas e com custos altos, mesmo pagando mal os seus colaboradores. Uma primeira reação de uma organização seria elevar sua tarifa para aumentar suas receitas e manter a sua lucratividade, porém, o modelo só permite um aumento de tarifa com o sinal positivo da concedente, o Município.

É curioso, paradoxal e até bizarro, mas a greve não é ruim para os donos das empresas de ônibus, pois ela pressiona o Poder Municipal a aprovar rapidamente um aumento da tarifa ou a incrementar um subsídio nas receitas das operadoras (como ocorreu uns cinco anos atrás), perpetuando este sistema medíocre que não melhora nunca.

Caso a Prefeitura resolvesse encarar as empresas, elas teriam de atender as reivindicações de seus funcionários mantendo a mesma tarifa e, se quiserem manter também a mesma faixa de lucro, teriam de se modernizar e de se reinventar constantemente (exatamente como se ensina nas faculdades de administração). Não é o que acontece e nem o que irá acontecer desta vez. A pressão popular pelo fim da greve aliada ao temor de um desgaste eleitoral dos políticos que estão na prefeitura (lembrem-se, estamos em ano de eleições) faz com que uma solução imediatista seja subjugada.

SOBRE METRÔ

Há muitas pessoas no meu círculo social que, ao conhecerem a maravilha do metrô em uma cidade européia, reivindicam vagamente esta solução para Florianópolis. A estes desinformados: esqueçam!

Não digo isto por subestimar o desenvolvimento do Brasil, muito pelo contrário. Quem me conhece sabe que sou um ferrenho otimista quanto ao nosso crescimento e vislumbro as principais regiões metropolitanas sendo atendidas razoavelmente bem por este cômodo meio de transporte até 2020. O problema está na própria cidade.

Ofertar uma linha de Metrô exige uma engenharia construtiva bastante arrojada e cara, além de equipamentos de operação (os próprios trens e outros equipamentos das estações) e dos sistemas de controle do tráfego, tudo também muito caro. O metrô é um modal de transporte que, na grande maioria dos casos, dá prejuízo ou exige um longo tempo de retorno de investimento. Por esta razão é bancado pelos governos em quase todos os lugares do mundo.

(Sim, o Metrô no Rio de Janeiro é um dos poucos lugares em que a operadora é uma concessionária particular. Também, por esta razão, o Metrô Rio ficou tanto tempo sem melhoramentos e ampliações, além de já ter ostentado a tarifa mais cara do planeta).

Para um metrô funcionar, é necessária grande demanda, isto é, o tempo todo entrando e saindo gente das estações, requisitando que sua implantação seja em uma cidade de economia dinâmica e de, no mínimo, de um milhão de habitantes. Para piorar a situação florianopolitana, a geografia da cidade mostra pólos demandantes de transporte bastante afastados entre si.

SOBRE VLT E BRT

Se o leitor é razoavelmente bem informado, já deve ter ouvido falar nestas duas alternativas para um transporte coletivo mais eficiente. Eles estão na moda ultimamente, principalmente em notícias vinculadas ao melhoramento do transporte público para a Copa e Olimpíadas. Não é à toa, pois ambas as soluções são vocações naturais do Brasil, em especial o BRT.

VLT significa Veículo Leve sobre Trilhos e é muito comum nas cidades de porte médio/grande de alguns países da Europa. São trens menores que os do metrô e que andam sobre a superfície. Em alguns casos podem dividir o espaço com veículos, ciclistas e pedestres. Já opera em algumas regiões metropolitanas brasileiras.

BRT significa Bus Rapid Transit e, no Brasil, leva vantagens sobre o VLT em diversos aspectos. A começar pelo fato de que não existe (pelo menos não que eu saiba) indústria de trens nacional, ao passo que as maiores empresas da América Latina na fabricação de carrocerias de ônibus estão instaladas no sul do Brasil e, inclusive, exportam para toda América do Sul, para países da África e até da Europa.

Há, no entanto, uma resistência deste tipo de transporte porque as pessoas associam ônibus a transporte de má qualidade e ineficiente. Foi por isto que se criou este nome, BRT.
Ele consiste em aproximar o funcionamento do ônibus o máximo possível do trem. São ônibus gigantes que andam em faixas exclusivas e que param em estações. Nelas, o usuário, que já inseriu o seu bilhete na catraca (tal qual no metro), simplesmente embarca no ônibus que estará, quando chegar, ao mesmo nível da plataforma, eliminando escadas. O veículo é automático (não há solavancos) e silencioso, além do layout interno se assemelhar com um trem.
Este sistema funciona muito bem em Curitiba, por exemplo, e está sendo implantado no Rio. Em algumas cidades, até se informa ao passageiro quantos minutos faltam para seu ônibus chegar.
Segundo um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) recentemente publicado, o custo da construção e instalação do quilômetro do BRT nas cidades brasileiras corresponde, em média a 15% do custo do quilômetro do metrô. O VLT representa pouco menos de 30%.

SOBRE FLORIANÓPOLIS

                O Brasil vive um momento raro em que finalmente há dinheiro a ser investido na melhoria da qualidade de vida dos habitantes de suas cidades, prova disto são os 32 bilhões destinados a projetos exclusivamente de mobilidade urbana nos principais centros urbanos – montante do qual Florianópolis ficou de fora.
                Mas, era de se esperar. Nossa cidade nunca teve um olhar para o futuro, nunca aproveitou oportunidades para se desenvolver e sempre viveu comodamente das suas vocações turísticas. O que todos querem, no fundo, é que a greve acabe e que tudo volte ao normal.
                Tenho certeza, contudo, de que seria perfeitamente possível de se ter um transporte de ônibus de qualidade, onde até os mais elitistas se submeteriam a utilizá-lo. Para tanto, seria necessário renunciar ao sistema atual e remodelar (revolucionar) primeiramente a infraestrutura viária da cidade e depois explorar efetivamente o sistema.
                O ideal seria que lideranças reunissem a sociedade e traçassem um plano Municipal (independente de quem estiver na Prefeitura) a ser seguido em etapas para os próximos 30, 40 anos.
                Além de se construir estas linhas de BRT nos principais eixos de fluxos da Grande Florianópolis, seria interessante instalar estacionamentos públicos e pontos de aluguel de bicicletas junto com as principais estações.
                A parte mais complicada é a da prestação de serviço. Muitas cidades brasileiras adotam este modelo de concessão sem concorrência, resultando na acomodação e ineficiência das empresas concessionárias, como já foi dito.
               
SISTEMAS DE ÔNIBUS EFICIENTES PELO MUNDO

                Além de fazer do sistema de ônibus um verdadeiro serviço de trem (seria necessário, também campanhas para o enfrentamento do preconceito que este modal sustenta), veja algumas diferenças do funcionamento de cidades de outros países que oferecem um bom serviço de ônibus (independente se BRT ou não).
·         Empresas estatais operando. Não estão preocupadas com o lucro que o atendimento de uma linha proporciona. Se a empresa estatal der prejuízo quem arca é a Prefeitura, leia-se toda a população.
·         Aproveitamento do espaço publicitário. Primeiramente é necessária uma lei para acabar com outdoors pela cidade. Além de despoluir visualmente a paisagem urbana, a escassez de espaço para anunciar produtos e serviços valorizaria o imenso espaço que um ônibus oferece: Tanto sua carroceria (lado externo) quanto o lado interno (paredes, monitores e até no teto, como se vê em outros países).
·         Eliminação do cobrador. A classe que me desculpe, mas os países desenvolvidos já aboliram esta profissão. Com máquinas que captam o dinheiro, instaladas ao lado do motorista, e ampla campanha para que os usuários paguem com bilhetes/cartões (para agilizar o processo), elimina-se um grande custo da empresa e pode-se remunerar melhor os condutores. Na situação de pleno emprego que vivemos é até bom para a economia que estes profissionais estejam alocados em outra ocupação.
·         Ônibus bons. Florianópolis até que tem uma frota de ônibus nova. Porém estes veículos são equivalentes a um carro popular “pelado”. A percepção do conforto dentro de um ônibus aumenta muito quanto este é automático e equipado com suspensão a ar, freios ABS, motor traseiro mais potente, piso baixo (sem escadas), ar condicionado, música ambiente, etc. O resultado básico é o fim dos solavancos e do ruído interno. As famigeradas empresas que operam a concessão de transporte compram os modelos de ônibus mais básicos (divulgando terem uma frota renovada) para renegociá-los depois de alguns anos com cidades do interior. Ao passo do exemplo que vivi no Canadá, onde a cidade que eu morava operava parte da frota com ônibus visivelmente antigos (aproximadamente 20 anos), porém em perfeito estado de conservação e de conforto. Isto seria possível se o poder público exigisse um padrão de conforto nos ônibus.
·         Após as modificações mencionadas, eliminar à metade os espaços de Zona Azul (ao contrário da intenção da prefeitura de inventar cada vez mais vagas, como pude perceber no meu breve estágio no IPUF), como um estímulo ao uso do (agora bom) transporte público e melhoria do tráfego no centro.

    Bom, eu passaria o dia inteiro listando melhorias possíveis e imediatas a serem feitas, que para mim parecem óbvias, bem como o mapa das principais linhas a serem empreendidas com um hipotético BRT. Ainda não estou seguro, contudo, do modelo ideal para se prestar o serviço de transporte público coletivo no Brasil e, em especial, em Florianópolis, pois como é sabido, lamentavelmente o brasileiro trabalha mal quando seu patrão é o próprio Estado. Uma concorrência bastante fiscalizada entre empresas que operariam uma mesma linha poderia ser tentada, mas considero bastante complicada.

          Diante de um cenário de mesquinhez política, da falta de entendimento das soluções e da falta da elementar percepção de que a conta do modelo atual não fecha, resta-me informar ao estimado leitor de que verá nos próximos anos as mesmas cenas de transtorno por conta da greve se repetir, enquanto a mobilidade urbana desta cidade torna-se cada vez mais a pior do Brasil.



ERRATA: Existem sim, duas indústrias de locomotivas instaladas no Brasil, ambas multinacionais e ambas no Estado de São Paulo: Bombardier (canadense) e Alston (Francesa).

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ter ou não ter (um blog): eis a questão.

Vou te falar que os momentos que eu sinto vergonha deste blog são maiores do que os que eu sinto orgulho.
Ainda assim, persisto em mantê-lo e, muito esporadicamente, em acrescentar algum texto.
Isto aqui é um atestado de como eu mudo de estilo e de opiniões rapidamente. Chega a ser dolorido ler um texto que eu escrevi em 2007. Nestas horas, vergonha. Mas não tenho coragem de corrigir uma passagem fora de concordância ou outra que eu, agora, julgue mal escrita. Seria como usar o photoshop para retirar as espinhas que aparecem na minha testa nas fotos de quando eu tinha 16 anos.
Da mesma forma que achamos engraçado, embaraçoso, olhar o próprio álbum de fotos da formatura do colégio, ler uma composição antiga é também meio bizarro. Mas é legal.
Fica a dica para quem gosta de escrever, pintar, desenhar, compor músicas, etc.: guarde suas criações e as veja no futuro.

jeitinho brasileiro

Brasileiro tem uma forte inclinação à anti-democracia. É impressionante.


Frases recolhidas do meu cotidiano:


"É, agora temos que tomar cuidado com essas piadas: Dá cadeia, né? Até nego agora temos que respeitar, vê se pode..."


"Agora que qualquer pé-rapado pode comprar carro o trânsito fica assim... É um absurdo!"


"Ah, também, agora pobre pode andar de avião, né? Aeroporto virou rodoviária, é uma tristeza aquele povão todo..."


"Até a viadagem foi permitida, agora! Onde é que vamos parar?"


Em um almoço de família (que naõ era da minha família) alguém comentou que viu um casal de gays de mãos dadas. Os demais lamentavam: "aah não.... Que absurdo! Que desagradável".


O brasileiro sempre viveu na desigualdade. Não entende que sociedade desenvolvida é sociedade igual. Quem está na classe dominante (seja social, sexual, racial) não quer assistir a ascensão do sujeito que julga inferior.


O brasileiro ainda está se acostumando, lentamente, com a democracia e com os direitos humanos.


Às vezes essas reflexões freiam meu otimismo quanto ao nosso desenvolvimento.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

For(ç)a Haole!!!

Apenas pequenos grupos de índios Carijós povoavam a área onde hoje se conhece por Florianópolis, em meados de 1500. Uma disputa política do outro lado do Oceano Atlântico, contudo, haveria de mudar para sempre a história desta ilha.
                Portugal e Espanha estavam disputando as terras da América do Sul e, após os tratados de Madri, Santo Idelfonso e outros das aulas de história que eu não me lembro, acertou-se, pelo Tratado de Tordesilhas, que o território português se estenderia até onde hoje é a cidade de Laguna. Para que as expedições espanholas chegassem até seus territórios mais ao sul (atuais Argentina e Uruguai), portanto, era necessário que se percorresse a costa brasileira.
                Não tardou para que os desbravadores espanhóis descobrissem uma ilha muito próxima ao continente, com uma baía de águas mansas, vegetação exuberante e abundância de água, animais e frutas em pleno território português. A Ilha de Santa Catarina tornou-se um ponto de parada perfeito para abastecimento e descanso em segurança dos espanhóis que seguiam viagem ao sul.
                Não se sabe, ou eu é que não sei, como era a convivência dos índios Carijós com os primeiros descobridores de Florianópolis. Mas, sabe-se que o povo Carijó foi amistoso, tranquilo nas relações que tiveram com europeus em outras regiões em que viveram.
                Também não tardou para que a coroa portuguesa soubesse da ousadia espanhola em ocupar um território que lhe pertencia. Preocupada com o vazio demográfico do sul do Brasil, Portugal passou a incentivar os movimentos bandeirantes, isto é, caravanas oriundas do centro do país para colonizar e povoar o sul do território Português.
                Ao final de 1600 chegou por aqui o paulista Francisco Dias Velho (não coincidentemente, o nome do primeiro viaduto de quando se cruza a ponte nos dias de hoje), que fundou Nossa Senhora do Desterro. Na verdade, eu não sei se ele deu este nome, mas foi assim que a então vila passou a ser chamada nos anos seguintes.
                Mesmo que algumas famílias de paulistas e vicentistas passaram a habitar a Ilha de Santa Catarina, os espanhóis continuaram utilizá-la como ponto de parada, até que Portugal decidiu equipar a Ilha militarmente. Deslocou um contingente do exército, vindo do Rio de Janeiro e mandou construir 4 fortes e (se não me engano) 3 fortalezas. Apenas a fortaleza de Sant’Ana não existe mais. Era uma intimidação à Coroa Espanhola que, mesmo assim, anos depois invadiu a Ilha e a dominou. Se você ficou interessado por esta passagem histórica, faça o passeio de barco para a Ilha de Anhatomirim. Lá é explicado detalhes desta época e o passeio é bastante agradável.
                Com a ilha agora sendo ocupada oficialmente por espanhóis, iniciou-se uma negociação diplomática entre Portugal e Espanha onde ficou acertada a devolução da Ilha de Santa Catarina à Coroa Portuguesa (em troca de outros territórios que você deve ter estudado nas aulas de história).
                Desterro volta a ser brasileira. Como ainda era parcamente povoada, assim como o resto do sul do Brasil, ainda com os incentivos aos bandeirantes, Portugal se aproveitou de uma inusitada superpopulação das ilhas dos Açores, por volta de 1700, para incentivar este pessoal a ocupar as áreas sulinas do Brasil. Porto Alegre é, hoje, a maior cidade açoriana do mundo. Florianópolis certamente é a segunda. Outras cidades foram colonizadas por este povo, que passaram a ser maioria no litoral sul do Brasil, na época.
                Passaram-se anos e Florianópolis, ainda chamada de Desterro, viveu pacatamente da agricultura, da pesca e da matança da baleia para o uso do seu óleo. Até que, finalmente, com a Independência do Brasil e a nomeação de Desterro como capital da província de Santa Catarina, os investimentos e a modernidade chegaram por aqui: Ponte Hercílio Luz, palácio do Governo, construções públicas, empregos. Ao final do século 19, finalmente a cidade veio a se chamar Florianópolis:  O então vice-presidente Floriano Peixoto assumiu a presidência à força depois da renúncia do primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro e, por isto, sofreu uma forte oposição (segundo a constituição da época, o vice-presidente só servia para convocar novas eleições). Floriano Peixoto desceu a lenha nos opositores do Rio Grande do Sul e de Desterro. Sobraram apenas simpatizantes do presidente por aqui que, por conta própria, mudaram o nome da cidade em sua homenagem.
                E Florianópolis viveu décadas de marasmo e servidorismo público. Era a segunda menor capital do Brasil, atrás apenas de Aracaju. Até que a sede da Eletrosul se mudou do Rio de Janeiro para a Ilha. Foi uma importante e pioneira movimentação econômica, seguida de outras posteriores como a instalação da Universidade Federal de Santa Catarina (trazendo seu corpo docente quase todo do Rio Grande do Sul e do Paraná). Com mais gente e com maior potencial econômico, mais pessoas vieram suprir as novas demandas comerciais, vislumbrando a oportunidade de iniciar a vida em um lugar que ainda tinha tudo para ser feito.
                Floripa então prosperou dos anos 70 aos anos 2000, cercada de propagandas sobre sua invejável qualidade de vida, oportunidades e belezas naturais. O crescimento populacional vertical melhorou a vida de muita gente: tinham-se mais clientes, mais renda.
                Até que depois da preguiça e da falta planejamento para suprir a demanda que naturalmente viria com toda esta propaganda, a cidade mostra-se hoje problemática, superpopulosa e com todos os problemas que você, que mora aqui, enfrenta diariamente.
                E aí após séculos de invasão de tudo quanto é tipo de gente à Ilha, alguns míopes chegam à fácil conclusão de que os culpados são os novos forasteiros: “Ora, o problema é que muita gente de fora vem para cá passar as férias e acaba ficando, entupindo nossas ruas”, dizem. “Não há espaço para tanta gente. Vão embora!”. “Fora haole”...
                Às vezes tenho raiva desse tipo de gente, mas entendo que esta opinião é fruto da ignorância completa, a começar pela ausência de conhecimento básico em história. Várias regiões do Brasil passaram por migrações intensas diversas vezes. A Ilha de Santa Catarina, como tentei mostrar, já foi espanhola, acabou sendo fundada por paulistas, teve contribuição de cariocas e gaúchos e hoje contempla a chegada de profissionais do mundo inteiro na área de Tecnologia da Informação. Isto acontece e acontecerá cada vez mais no mundo inteiro, com o desenvolvimento dos transportes e das comunicações.
                Mas, se é para iniciar um processo de retirada da Ilha como propõem por aí, nós, descendentes de Paulistas, Cariocas, Gaúchos e Açorianos somos intrusos também. Deixemos o sossegado povo Carijó.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

atirando vacas do precipício

Quem me conhece e sabe que gosto de política pode até se confundir ao pensar que eu gosto de politicagem. Veja bem, a política a qual eu acompanho e escrevo a respeito são básica e principalmente os interesses do Brasil e da América Latina, assim como o que está acontecendo no mundo. Sou um entusiasta das atualidades e, por esta razão, busco notícias sobre política interna e internacional assim como me agrada assistir aos debates sobre política em geral com os entendidos da Globo News – muito embora na maioria das vezes eu não concorde com o que dizem.
Já vou avisando, contudo, que não sou politiqueiro. Não gosto de fazer média com ninguém, nunca forcei uma amizade por interesse e o principal: detesto discursos!!! Sobretudo quando eles aparecem em ocasiões em que se tornam inconvenientes, como em festividades e encontros informais. Discurso de formatura é algo que geralmente me deixa extremamente aborrecido.
(Aliás, o motivo de eu escrever estes textos aleatórios no blog é justamente o fato de que eu me consideraria um chato discursando sobre estas coisas em ambientes impróprios).
Discurso de orador e paraninfo de turma geralmente é uma tentativa de formalização do que é informal: a convivência entre os colegas. Os discursos que fogem desta regra, contudo, se possuírem um bom conteúdo, até podem me chamar a atenção.

Semana passada eu colei grau em Administração de Empresas com um semestre de atraso – por motivos que não convém aqui explicitar. Os discursos até que foram razoáveis (e não é porque foi na minha formatura que estou dizendo isto). O discurso do paraninfo da minha turma eu achei ruim e dentro da mesmice. A paraninfa da turma de Administração Pública pronunciou uma interessante mensagem, sobre o senso de propriedade pública e privada dos brasileiros, mas pecou por se alongar em demasia. (Ainda escreverei aqui no blog reflexões sobre este tema). 
Finalmente o discurso do professor Mário Cesar, o Marinho – atualmente diretor geral da ESAG – foi o que mais me agradou. Ele preferiu poupar os ouvintes de rasgações de seda e apenas proferiu uma simples parábola, a seguir reproduzida.

Certa vez perambulavam pela zona rural de alguma região remota do mundo um filósofo e seu discípulo. Eis que, de repente, encontram um rancho onde vivia uma família, à beira de um precipício. O local era miserável e distante de tudo. A gente, muito pobre.
Pediram algumas horas de descanso, alguma comida e água, devidamente atendidos pela família. E ao patriarca da família o sábio pergunta:
– Este lugar é muito pobre e isolado do mundo. Como fazem para sobreviver?
– O senhor vê aquela vaca? Dela tiramos todo o nosso sustento – respondeu o homem. Ela nos dá leite, que bebemos e também transformamos em queijo e coalhada. Quando sobra, vamos à cidade e trocamos o leite e o queijo por outros alimentos. É assim que vivemos.
Os dois viajantes agradeceram a hospitalidade e partiram. Ao completar a primeira curva do trajeto o sábio solicita ao seu discípulo:
– Busque aquela vaca e atire-a do precipício.
– Mas como? Não podemos ser tão ingratos. A vaca é a tudo o que aquela família tem. Sem ela, não sobreviverão.
– Vá lá e faça isto, meu nobre.

Atônito, lá foi o fiel discípulo fazer o que propôs o seu mestre. Desfez-se da vaca sem que a família percebesse e voltou para sua cidade.
Anos depois, ainda intrigado com aquela história, o jovem aluno resolveu tirar suas próprias conclusões realizando uma segunda visita.

Ao chegar naquele ermo local o rapaz, que imaginava encontrar um local abandonado pela família que houvera se retirado, chocou-se ao vislumbrar uma bem sucedida fazenda, com imensas áreas de cultivo e rebanhos de animais circundando a reformada, outrora precária, casa.
Certo de que este cenário só poderia pertencer a outra família, o discípulo surpreendeu-se ao encontrar o mesmo homem de anos atrás e então o questiona:
– Mas o que aconteceu? Eu estive aqui com o meu mestre alguns anos atrás e este lugar era miserável! Como mudaram de vida em tão pouco tempo?
O homem olhou para o discípulo, sorriu e respondeu:
Nós tínhamos uma vaquinha, de onde tirávamos nosso sustento. Era tudo o que possuíamos. Mas, um dia, ela caiu no precipício e morreu. Para sobreviver, começamos a plantar as sementes dos poucos vegetais que tínhamos a disposição. Em pouco tempo pude vender o excedente e comprar outras sementes. Também passei a utilizar a lenha da propriedade e a replantar as arvores. Troquei esta riqueza pelos primeiros animais e assim fomos fazendo outras coisas, desenvolvendo habilidades que nem sabíamos que tínhamos e nos aproveitando do solo rico que tampouco conhecíamos o potencial. E foi assim, buscando novas soluções, que hoje estamos muito melhor que antes.

É claro que a simplicidade da parábola dispensaria qualquer comentário sobre a moral da história. Como é de praxe, porém, as palavras de conclusão do professor Marinho foram mais ou menos: "Saiam da zona de conforto de onde vocês estão, por mais fácil que seja permanecer nela. Assim descobrirão qualidades em vocês mesmos e passarão a utilizar todo o potencial que possuem".

homenagem fenomenal

        Engano-me quando penso que no período de férias estudantis me dedicarei mais frequentemente ao blog. Na verdade, nestes períodos, a gente sempre arruma atividades de lazer ou burocráticas – para não deixar para fazê-las quando as aulas recomeçarem.
        Além disso, férias combinam com preguiça. Embora cheio de idéias para discorrer a respeito, tenho uma preguiça danada só em abrir o blog, começar a redigir qualquer coisa.
        Hoje, entretanto, me motivei a escrever brevemente a respeito da aposentadoria do Ronaldo. Não sei bem o quê dizer neste texto, a vontade surgiu a partir da simples admiração por aquela figura.
        Quem é apaixonado por futebol, como eu, está triste, pois sabe que a última esperança que havia em ver o Ronaldo dando show morreu. Apesar da sua forma física gritantemente nos dizer que isto não seria possível já há algum tempo, ainda existia uma esperança.
        Ainda estou indeciso se o melhor jogador que eu vi jogar foi o Ronaldo ou Zidane, mas é claro que o meu patriotismo puxará a brasa para a sardinha do brasileiro. Além disso, a admiração no fenômeno vai além das suas qualidades indiscutíveis com a bola nos pés. Nem se compara o seu carisma com a sisudez do argelino naturalizado francês.
        De onde teria tirado tanta desenvoltura para falar ao microfone, com aquela fala mansa esbanjando sensatez, um garoto nascido em um bairro pobre da zona norte do Rio de Janeiro?
        Assim são os gênios.
        Existirão aqueles que consideram gênios os seres com alto desenvolvimento intelectual, tão somente. Discordo. Os desenvolvimentos físico e emocional de um ser humano determinam igualmente sua capacidade de inteligência e genialidade. A maneira com que Ronaldo usava o seu corpo para obter vantagem dos adversários, o jeito com que ele chutava ou tocava na bola o colocam neste patamar, merecidamente reverenciado e homenageado no mundo inteiro neste dia em que ele resolveu parar.
        As razões para sua aposentadoria – que não deixa de ser precoce comparada a de outros jogadores de futebol – são muitas e ninguém jamais saberá exatamente o que se passou na cabeça dele no momento da decisão.
        Lembro-me bem que, na Copa do Mundo de 98, Ronaldo era considerado um super atleta, no auge do uso do seu corpo, com reduzidíssimo percentual de gordura e anormal capacidade de aliar força, explosão e velocidade. Nos anos seguintes, o resultado foi o colapso dos seus dois joelhos. A estrutura óssea daquele garoto franzino que jogava no Cruzeiro visivelmente não suportou por muito tempo tanta exigência da preparação física.
        Esta questão é levantada em outras áreas do esporte. Discute-se que a exigência da preparação física atlética dos dias atuais não é saudável e acaba por encurtar a vida profissional dos esportistas. Foi assim com o Guga e seu incurável quadril e diversos outros exemplos mais distantes de nós.
        Após duas cirurgias, especula-se que Ronaldo passou a ter uma vida que nunca teve, envolvendo pequenas tentações que qualquer pessoa normal não dispensa: guloseimas, cervejinhas, etc. Jamais conseguiu emagrecer, apesar de conseguir ainda assim chegar a marca de maior goleador de todas as Copas do Mundo (organizadas desde 1930!).
        Eu sou um torcedor muito chato. Amo o Internacional e ponto final. Vou aos jogos do Avaí e vibro pelo time de minha cidade em algumas ocasiões e esta é a única exceção que eu abro. Nem com a seleção do Brasil eu vibro, salvo em Copa do Mundo. Em geral eu assisto aos jogos da seleção para prestar atenção nos jogadores do Inter que lá estão jogando e fico torcendo para que os jogadores do Grêmio e Corinthians, que estão defendendo o Brasil, vão mal. Tenho ódio especial por estes dois times.
        Ronaldo fez a sua estréia pelo Corinthians jogando contra o Palmeiras. Eu estava assistindo aquele jogo ao vivo e, naturalmente, independente de Ronaldo em campo, torcendo pelo Palmeiras. Lá pelas tantas, porém, uma bola sobrou para que o Fenômeno cabeceasse e fizesse o gol do Corinthians e então eu comemorei como se fosse um torcedor, mas vibrando com sua volta, mais uma vez com sucesso, aos gramados.
        Acredito que este exemplo mostra o carinho que muitos brasileiros, como eu, tem pelo nosso Ronaldo, um cara capaz de me fazer vibrar com um gol do Corinthians! Só mesmo sendo um gênio, um Fenômeno.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

texto vago

Há momentos na vida que eu paro para refletir sobre minhas características pessoais que dizem respeito à relação com os meus sentimentos e com o mundo que me cerca. De que maneira eu lido com um relacionamento, com uma simples conquista amorosa, com um jogo de futebol entre amigos, com um jogo de futebol do meu time, com a conquista (ou não) de uma vaga de emprego, com os sucessos e fracassos na vida estudantil e tudo o mais que envolva as minhas emoções.
Em geral, costumo levar tudo de maneira intensa, muito intensa. Se meu time de futebol ganha um campeonato, é motivo para esquecer-se de tudo e comemorar muito. Se eu consigo conquistar a guria que pretendia, a felicidade é tamanha que tudo em volta passa a ser menos importante. Se eu jogo bem uma partida de futebol, me sinto um craque pronto para jogar profissionalmente. Se consigo uma boa nota, me considero um gênio. O problema está em frear este caminhão de emoções quando o jogo se inverte.

Mesmo no alto da autoconfiança e da sensação de super homem, devemos admitir: não se pode vencer sempre.

A felicidade, que em geral é trazida pelas pequenas e grandes vitórias diárias, deixa-nos extasiados e com gana de prosseguir vencendo. Coloca-nos, entretanto, em um estado menos autocrítico e de dispersão – ou negligência – em relação ao resto do mundo e à nossa própria conduta.

A inevitável e mal-vinda tristeza nos deixa depressivos, sem vontade de viver. É o grande mau que ninguém quer sofrer no século XXI. Pois eu digo que, ao menos, ela deixa-nos mais ligados e, com um pouco de pró-atividade para vencer a inércia, é combustível para a busca de mais vitórias, apesar de toda a dor que ela provoca na alma e do constante despreparo que temos para o que pode vir a dar errado.

Acredito que estas sejam as sensações universais de todos com relação à alegria e ao desgosto. O que diferencia entre cada indivíduo, portanto, é a intensidade de sentimentos que cada um coloca nas suas conquistas e fracassos. Ser intenso quando se ganha é ótimo, excelente, a melhor coisa do mundo. O contrário é totalmente válido para quando se perde.

Pergunto-me nesse momento se, na média, as pessoas que não se emocionam tanto diante dos eventos de suas vidas – e olha que eu conheço muita gente assim – não acabam sendo mais felizes e mais equilibradas para construírem suas vidas.

sábado, 27 de novembro de 2010

Rio de Janeiro, Novembro de 2010.

            Imagine você morar em um condomínio onde o síndico pudesse chegar a qualquer momento à sua casa e lhe mandar embora, intimidando-o com sua força física. Provavelmente era assim que funcionavam as coisas na Idade da Pedra, pré-história, em um imaginário condomínio de cavernas. Creio que não era raro quando uma família, dignamente repousando em seu recanto e cuidando dos filhos, era expulsa pelo líder quando este bem entendesse, numa demonstração do lado animalesco do homem troglodita nos primórdios da humanidade.
            Muitos séculos passaram e ainda na Idade Média, os Senhores Feudais gozavam do poder de retirar quem eles bem entendessem de seus lares. Nesta época, o poder do mais forte se dava pela força da posse, isto é, o Senhor Feudal era o proprietário das moradias dos camponeses, cujas vidas não faziam mais sentido a não ser por servir ao seu Senhor e garantir suas existências e seus lares.
            A Sociedade moderna até que evoluiu neste sentido. Para evitar situações como estas, criou-se o Estado Democrático de Direito, assim constituído no Brasil e na maioria dos países ao redor do mundo. Nestes lugares, ditos civilizados, o poder e a força deixaram de ser ostentados pelo mais forte ou pelo maior proprietário. (Evidentemente há controvérsias, uma vez em que no mundo capitalista posse é poder, mas isto é papo para outro texto).
            No caso do Brasil, os integrantes do Estado Democrático de Direito – cada um de nós – concedemos poder a três instituições, como você deve saber, que são de propriedade do povo. O Poder Judiciário tem como papel básico resolver os conflitos de poder entre todos os entes da sociedade. As polícias, o Ministério Público e a Promotoria de Justiça (órgãos que não estão instalados nos três poderes), fiscalizam e realizam justiça, nos casos em que se identificar discrepância de poder em alguma das partes conflitantes, seja este poder caracterizado de diversas maneiras – principalmente com violência.
            O que a criação do Estado Democrático de Direito propõe primordialmente, portanto, é promover a paz entre a sua população e fazer com que todos os seus integrantes possam viver suas vidas e se desenvolver de maneira igual perante um poder concedido e à Lei do Estado. Na teoria, tudo é lindo.

...
           
       A partir da segunda metade do século passado o Brasil, e a maioria dos países subdesenvolvidos, passou a conviver com um fenômeno tão problemático quanto inevitável: o deslocamento das pessoas do campo para os centros urbanos. Por se tratar de um país pobre e que não precisava de tanta gente assim trabalhando nas cidades – além, claro, de uma situação política nada favorável como foi descrita no texto sobre a ditadura militar – grande parte da população teve de improvisar moradias em áreas irregulares da cidade, criando ambientes onde o Estado não conseguia mais penetrar para ofertar educação, segurança e saúde durante muito tempo – e, de certa maneira, também negligenciou esta situação, bem como a existência destas pessoas.
            O resultado terrível, na ausência da Lei e principalmente de educação, foi um retrocesso social no qual se verificou situações similares às do Tempo das Cavernas – gente criando e revogando leis e regras conforme sua vontade e força, permitindo a entrada e saída de quem bem entendesse destes submundos e ostentando poder em forma de armamento pesado.
            O tráfico de drogas no Rio de Janeiro, pulverizado em tempos remotos entre a classe consumidora, passou a ser mais lucrativo nas favelas por diversos motivos: dificuldade da entrada da polícia, grande oferta de mão de obra ociosa, proximidade destes redutos ao mercado consumidor (pois no Rio, os morros estão dentro da cidade), entre outros. Inicialmente, entretanto, este negócio não era fortemente armado, afinal, traficante nenhum quer incomodação, e sim o dinheiro das vendas. Quando o poder público tentou enfrentar o tráfico de drogas na base da porrada, o movimento reagiu da mesma maneira.
            O Brasil, por ainda se um país muito carente e, por consequência, o Estado e a cidade do Rio de Janeiro também, as ações repressoras dos governos passados fracassaram por si só e agravaram ainda mais o problema: Os bandidos e traficantes se uniram, se organizaram e se armaram, fazendo das favelas as suas fortalezas intocáveis, onde o policial que conseguisse adentrá-las seria facilmente corrompido ou morto.

...

            O Brasil que nasce na segunda década do século XXI (2010 em diante) é um Brasil diferente. Não somos mais (tão) pobres. Continuamos com diversos problemas, porém há dinheiro a ser investido em nossas fraquezas. Você assistiu no filme Tropa de Elite 2 a evolução dos aparatos da Polícia Militar do Rio de Janeiro e, principalmente, do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o BOPE, que agora opera até com helicópteros e conta com um contingente de homens muito maior do que o do primeiro filme. Deve ter assistido, também, no apelidado "Tropa de Elite 3" (referência aos recentes ataques dos traficantes cariocas) a quantidade de camionetes importadas, tanques, armas, helicópteros e outros aparatos de guerra que o BOPE hoje dispõe. A discrepância de força entre o poder da máfia e o poder da sociedade (a polícia), definitivamente se inverteu.
            O que está acontecendo nos dias de hoje na cidade do Rio de Janeiro é a consequência inevitável (e já prevista pelo Governo do Rio e pela sociedade carioca) de dois eventos importantes que vieram acontecendo nos últimos três ou quatro anos na cidade maravilhosa. O primeiro deles é a emergência da máfia da Milícia: Bandidos da pior qualidade, infiltrados nas diversas áreas do poder do Estado e ganhando muito dinheiro à custa dos próprios moradores das favelas. Não vou, entretanto, abordar este assunto, pois ele é muito bem colocado em Tropa de Elite 2 que, caso você ainda não tenha assistido, faça-me o favor de ir logo.
            O segundo importante acontecimento é um projeto novo da Secretaria de Segurança do Governo do Rio de Janeiro que está dando no que falar. Entendidos em segurança pública chegaram à conclusão de que não adianta subir o morro com tropas fortemente armadas e prender os líderes do tráfico de drogas. Por quê? Porque estes guetos haviam se transformado em verdadeiras escolas do crime e do tráfico de drogas, de sorte que, uma vez eliminada a existência de um líder, logo apareceria outro em seu lugar e passaria a usufruir de toda a estrutura já montada para se ganhar dinheiro ilegalmente e, principalmente, se manter no poder sobre milhares de habitantes. A grande solução encontrada foi nada menos do que tomar o território dos bandidos, criando as UPP: Unidade de Polícia Pacificadora. No lugar do adolescente portando arma para cima e para baixo na vigília do tráfico, policiais em permanente ocupação. E os bandidos? Eles é que procurem outro morro para traficar.
            As UPPs foram aumentando em quantidade e os traficantes, cada vez mais encurralados, sem território. Só lhes restou partir para um artifício de quem não tem mais nada a perder: o terrorismo.
            O que está acontecendo no Rio de Janeiro agora no final de novembro de 2010 é praticamente um manifesto dos traficantes, agora pobres e enfraquecidos. Estes atos são mais políticos do que criminosos, uma rebelião.
            Diferentemente de outras épocas – quando os traficantes mandavam fechar o comércio, as escolas, quando bem entendiam e a população acatava, com medo de uma guerra entre traficantes e policiais – os moradores do Rio desta vez estão dispostos a ver o pau comer dentro da cidade, pois viram o sucesso que foi as operações para a instalação das UPPs. Além disso, um novo sentimento de confiança e admiração pelo trabalho polícia vem crescendo, o que cria tolerância de alguns dias até que a ordem seja estabelecida, por mais prejuízos que a população de bem venha sofrendo.
            O complexo do Morro do Alemão é o alvo final para que a maioria dos grandes cartéis de narcotráfico do Rio de Janeiro seja desmontada. Os últimos marginais se deslocaram para lá por uma série de fatores (dificuldade de acesso pela polícia, tamanho gigantesco do conjunto de favelas, etc.) e as autoridades de segurança praticamente já sabiam que um dia isto iria acontecer. Chegou a hora. O grand finale será acabar com estes elementos na base da bala, da prisão, ou deixá-los livre pela cidade a cometer outros tipos de crimes. Crime organizado e tráfico, contudo, nunca mais. O aborto social está sendo feito com o consentimento da maioria.

  
            Esta semana ficará marcada na história do país por ser o dia em que uma grande quantidade de pessoas, considerada sem condições de viver em sociedade e sem conserto, foi eliminada ou presa. Ainda, será a semana simbólica do início do fim do crime organizado por tráfico de drogas no Rio de Janeiro, depois de décadas.
            Ainda que eu sinta um alívio em ver a paz de volta aos morros cariocas, é difícil assumir o sentimento de felicidade ao ver estas pessoas, que nunca tiveram acesso a nada, sendo mortas. É uma sensação de satisfação misturada com luto: Uma parcela da sociedade pagando com a vida em nome da ordem e, posteriormente, do progresso.
            É óbvio que o crime não desaparecerá do Rio de Janeiro, que a cidade continuará tendo assaltos, seqüestros e roubos. Uma coisa, no entanto, é importante celebrar: os meninos que crescem em uma favela não terão mais como exemplo de poder e de sucesso os traficantes que antes por lá perambulavam armados, com muito dinheiro, objetos de desejo e mulheres. É uma chance de ouro para implantar outros valores nesta nova geração. Desta maneira, um indivíduo que venha a transgredir as leis, quem sabe agora seja caso de possível reparo, de maneira a inseri-lo novamente na sociedade, ao contrário destes homens infelizes que estão hoje tocando o terror no Rio. Quem sabe o Estado, finalmente, possa se valer de seu  sistema carcerário e passar a investir melhor nele. 
...
           
            Bastante otimista a minha visão, você deve estar refletindo. Não nego que, a despeito da minha vontade de que isto se concretize, é mais ou menos isto o que eu enxergo, mesmo.
            Como otimismo é comigo mesmo, observe a evolução do Brasil durante as décadas, sob a minha ótica.

Anos 70: Anos de chumbo, ditadura militar, repressão, mentira, tortura, endividamento.
Anos 80: Incapacidade de pagamento da dívida, empobrecimento da população, desigualdade social, aumento da violência, crises financeiras. Porém, importante (e conturbado) processo de democratização.
Anos 90: Democracia estabelecida e consolidada – depois da turbulência Collor. Estabilização da moeda, da economia e, principalmente, controle da inflação. Importantes regulamentações administrativas (tanto fiscais quanto monetárias), que impediram maior endividamento do país. Entretanto, desigualdade social alta, violência, desemprego na casa dos 20%, infra-estrutura, saúde e educação precárias e alto endividamento (dependência) externa.
Anos 2000: Manutenção da estabilidade econômica. Desemprego mais baixo da história (6%), dívida externa paga, protagonismo no cenário mundial, início da diminuição da desigualdade social, crescimento econômico e aumento da renda da população. Todavia, a infraestrutura ainda ruim, bem como educação e saúde, apesar de ligeiras melhoras. Violência em índices elevadíssimos.

Anos 10: Obviamente não sabemos. Mas meu palpite é que seja a década da segurança e da infraestrutura, ainda mais porque o país será sede dos dois maiores eventos do mundo o que forçará o país a ofertar segurança e condições de locomoção ao mundo que virá até nós. Creio que o PAC está sendo apenas um ensaio para a revolução estrutural que estamos prestes assistir. Vejo também o país mobilizado e coeso na questão da segurança. É agora ou nunca o momento da valorização e união das polícias, uma revolução no sistema carcerário do país e, como resultado, índices mais baixos de violência, bem como maior sensação de segurança em todas as cidades do país. Quem sabe a década de 20 não seja finalmente a da educação, para que a de 30 venha a ser a da tecnologia de ponta?

            É provável que você discorde por considerar otimismo demais. Por outro lado, acredito que considerar uma década inteira para que cada uma destas revoluções ocorra tenha bastante dose de realismo.




terça-feira, 23 de novembro de 2010

Reflexões sobre Comes, Bebes e Ouves...

            Quem me conhece de perto sabe que sou um glutão. Aprecio intensamente a atividade de comer e tudo o que contempla uma refeição.  Às vezes, como mais do que o necessário para me satisfazer, devo admitir. Às vezes, a quantidade que como parece ser mais do que o necessário apenas na visão de outras pessoas, mas, na verdade, é perfeitamente ideal para suprir a demanda energética dos meus 80kgs e das minhas atividades físicas diárias.
            Um gourmet, ao contrário do que muitos pensam, não é aquele que prepara comidas. Gourmet é um indivíduo, apreciador das artes culinárias, que tem um paladar apurado e que possui um bom conhecimento em gastronomia. Um gourmet pode ser um péssimo cozinheiro, por exemplo. Não é o meu caso. Não sou um gourmet e tampouco sou um péssimo cozinheiro. Aliás, eu gosto das minhas comidas e uma das atividades que mais me dá prazer é descobrir combinações de temperos e ingredientes, ao cozinhar determinado prato.
            Não tenho, como já disse, um paladar super apurado a ponto de identificar ingredientes, temperos e modos de preparo de uma comida apenas experimentando-a. Minha mãe tem esta capacidade e, além dela, muita gente famosa, como Luís Fernando Veríssimo, Jô Soares, Ed Motta e até o Galvão Bueno (pelo menos é o que ele diz), entre outros.
Apesar de não possuir tamanha habilidade gustativa, também não sou um zero à esquerda no assunto. Segundo os entendidos, a arte de apreciar uma boa comida ou uma boa bebida vem com o treino. Na prática isto é facilmente comprovado. Ao beber vinhos, por exemplo, é impossível que alguém se torne um expert no assunto de um dia para o outro. Ou de um ano para o outro. São necessárias diversas experiências até que se desenvolva uma habilidade no sentido do paladar que permita a diferenciação dos diferentes tipos de vinho – inclusive o bom do ruim. Outra bebida, embora com exigência gustativa menos sofisticada, como a cerveja, também segue à regra. Quando se começa a beber cerveja, se tem a sensação de que todas são iguais: amargas e ruins. Aos poucos, passa-se a diferenciar – e a apreciar – as cervejas mais encorpadas das comuns. Os bons bebedores de cervejas tem a capacidade de diferenciar até mesmo o gosto de duas cervejas comuns, mas de marcas diferentes. É mesmo que uma questão de treino.
Um último exemplo, e creio agora ter concordância unânime, é o sushi. Até ao final da década de 90, a comida japonesa no Brasil era algo tratado como, no mínimo exótico – estranho e nojento para os mais desbocados. Dificilmente se encontra alguém que tenha se deliciado com o peixe cru na primeira vez em que o comeu. É mais comum que a pessoa tenha “aceito” aquele estranho prato no contato inicial, e passado a apreciar, aos poucos, a partir da segunda ou terceira experiência.
Não sei como ocorreu em minha vida, mas, como eu disse, não sou um zero à esquerda em matéria de paladar – embora me coloque longe do patamar de gourmet. Diferentemente de certos colegas, amigos e amigas, familiares, enfim, consigo apreciar de forma plena um prato mais bem elaborado. E é bastante fácil identificar na nossa sociedade e cultura aqueles que não têm esta capacidade. Em geral, em uma aleatória ocasião em que se sirva uma requintada iguaria, ouve-se comentários irônicos lamentando a ausência do tradicional churrasquinho do final de semana, do trivial feijão com arroz ou de um simplório macarrão à bolonhesa, numa infeliz tentativa de desqualificar o trabalho, sobretudo artístico e gastronômico que foi desempenhado, por não conseguir compreendê-lo. Analogamente, é como pessoas (como eu) que vai a uma exposição de arte moderna e não compreende bulhufas por nunca ter desenvolvido esta sensibilidade. Não proferirei, contudo, coisas do tipo "até uma criança faria" só porque não compreendo o que está sendo expressado, aceitando minha ignorância plástico-artística. Mas muita gente por aí o faz.
Este meu interesse por boa comida poderia estar relacionado com criação familiar, pois como já disse, minha mãe é uma expert em degustação e uma excelente cozinheira (não apenas de refeições triviais, mas da elaboração de sofisticados pratos dignos de trabalhos de cheffs). Certamente fui influenciado por ela e pelo hábito do meu pai em beber um bom vinho conforme cada tipo de refeição. Entretanto, o mesmo não aconteceu com a minha irmã, desmentido esta tese. Ela não dá importância aos detalhes das comidas, gerando até mesmo atritos quando ela vai ao supermercado e, por considerá-los supérfluos, não compra os ingredientes que eu gostaria de ter em minha dispensa (nós dividimos um apartamento). Além disto, ela é amante de fast-foods, bolachas recheadas, refrigerantes, entre outras coisas que eu considero pobre em paladar. Mas que não deixo de apreciar.
É aí onde eu gostaria de chegar. Certa feita li uma das excelentes crônicas do Luís Fernando Veríssimo em que ele defendia o que defenderei aqui. Veríssimo, apesar de ser um entusiasta da boa gastronomia, defendeu veementemente o "pastel de rodoviária". Isto é, ele quis ir à contramão de muitos entendidos que, ao chegar a determinado patamar de habilidade para degustar as coisas, esnobam as comidas triviais, simples, mas tradicionais de cada cultura, quando não raro as discriminam como comidas populares, ruins e daí por diante.
Sou do time do Luís Fernando Veríssimo (aliás, ele também é torcedor do Internacional) e consigo apreciar, na mesma proporção, um Cassoulet ou um canapé de foie gras e um pastel de carne com caldo de cana. Em geral, comidas que me remetem à boas recordações de criança são extremamente simples e de especial sabor para mim. Aliás, é isto que o filme desenho-animado Ratatoulie demonstrou ao final, quando o temido gourmet finalmente provou o prato elaborado pelo ratinho protagonista. Algo extremamente simples na França, o ratatoulie (basicamente berinjela, tomate e abobrinha), mas que elaborado de tal maneira capaz de sensibilizar profundos sentimentos em quem o experimenta, especialmente pela sua elegante simplicidade.

Sinceramente, discorri sobre tudo isto porque recentemente fiz uma correlação mental entre as habilidades de interpretação intrínsecas dos seres humanos, vinculadas ao desenvolvimento de determinadas sensibilidades. Já ponderei a percepção visual de uma arte plástica – da qual sou desprovido – e também da percepção do paladar – que creio ter falado até demais, como sempre.
Faltou, portanto, escrever sobre uma das percepções mais importantes da minha vida: a percepção musical. Sou bisneto, neto e filho de excelentes músicos. Comecei a estudar teoria musical aos 7 anos e tinha tudo para me tornar um bom músico também. Na prática, isto não se confirmou. Porém, o conhecimento que eu trago das aulas de teoria musical e das aulas de "musicalização" além de ouvir música o tempo todo em casa desde muito cedo – inclusive musica clássica quase que diariamente – me gabarita a autodenominar, sem receios, um bom entendedor musical. Isto é, quando ouço uma canção, sou capaz de identificar os diferentes instrumentos e de que maneira eles estão em harmonia, a captar as variações de arranjo e as intenções do arranjador etc. Logicamente não é necessário ter uma veia musical para desenvolver tal habilidade. Como já mencionei, é tudo uma questão de habituar-se, de treinar mesmo (agora, neste caso, treinar o ouvido musical). Prova disto é que tenho amigos que nunca tocaram nenhum instrumento e que tem um ótimo entendimento para a música. Por outro lado, também conheço gente que toca razoavelmente bem um instrumento, mas que não desenvolveu direito a capacidade de ouvir.
A lógica é a mesma e o meu discurso não será diferente do que acabei de escrever para o paladar. Há uma abundância de entendidos de música ou bons músicos desmerecendo outros estilos musicais (muito mal generalizados, diga-se de passagem) abertamente na TV, nos blogs, etc. Eu mesmo sou muito questionado pelo motivo de não só ouvir, mas de gostar e apreciar determinados estilos musicais, digamos, mais populares e erroneamente discriminados como música ruim. Afinal, o que é música ruim?
Meu pai assinou a revista Vinho durante um bom tempo e certa vez me disse que aprendeu com os enólogos mais esclarecidos e sensíveis o seguinte ensinamento: "Vinho bom é aquele que é bom para você". É uma frase subjetiva e certamente não quer dizer que uma garrafa de vinho que custe mais de R$100,00 terá qualidade inferior ao de uma que custa menos de R$10,00.
Não pense, seguindo o raciocínio, que estou querendo jogar um maestro de orquestra sinfônica e uma dupla sertaneja no mesmo balaio. Evidentemente que um indivíduo que estudou música erudita durante muitos anos tem muito mais condições e capacidade de reger, interpretar e compor canções muito mais complexas e bem elaboradas. Tão elaboradas que muitas vezes não entram no entendimento da maioria das pessoas.
Uma banda popular que consegue movimentar multidões tanto em shows quanto na procura por sua música em tudo quanto e lugar (internet, festas, etc.) não deve ser taxada como ruim. Deve-se, no mínimo, observar que elementos fizeram daquele movimento artístico musical um sucesso e o que faz as pessoas procurarem ouvir aquele tipo de música, aquele tipo de mensagem, por mais simples que possa parecer aos ouvidos de quem já pode evoluir o seu entendimento musical.  
Sou tão admirador da música simples e popular de qualquer cultura quanto do pastel de rodoviária de carne e ovo feito na hora, do macarrão à bolonhesa – capaz de conquistar qualquer criança pela sua simplicidade e do mais simples e talvez mais antigo prato preparado pelo ser humano: o tão amado churrasco. 

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

contra-ataque









PARTE I - Justificativas


É claro que em época de eleição eu não iria perder a oportunidade de ressuscitar o meu blog e escrever para os fantasmas virtuais e para o Ziggy, que eu sei, vai acabar lendo este texto. (Valeu, Ziggy!)

Como falta menos de um mês para as eleições e, no panorama presidencial, parece que a coisa já está bem definida, é inevitável que a parte perdedora tente de tudo para desviar o voto do eleitor já decidido, querendo lhe colocar uma pulga atrás da orelha. Veja bem, estou falando do candidato que está perdendo, seja quem for, pois não me surpreenderia se a candidatura Dilma também partisse para o apelo, caso o jogo estivesse invertido. Política no Brasil, por mais que tenhamos evoluído na última década, ainda é assim e o vale-tudo continua.

Acontece que eu comecei a reparar em um argumento ofensivo à Dilma Rousef que é, no mínimo bizonho: o de que ela é uma terrorista, e que já matou e perseguiu gente, entre outras coisas. Debatendo com uma amiga, então, finalmente percebi que esta inferência à candidata do PT se deve ao seu passado de militância contra a Ditadura Militar, o que não diminui o absurdo da acusação. Em primeiro momento, imaginei que fosse mais uma das falácias utilizadas de maneira genérica por qualquer candidato que está perdendo nas pesquisas, todavia depois fui surpreendido por argumentos que me fizeram perceber uma coisa: não se fazia idéia do que significava a Ditadura Militar no Brasil. Uns instantes depois, sozinho, refleti sobre o assunto e cheguei à conclusão de que, provavelmente, muitas pessoas da minha idade e do meu círculo social partilham desta lacuna histórica em suas mentes, por diversos motivos.

Colocando-me no lugar de uma exceção a esta situação generalizada, atrever-me-ei a relatar uma breve passagem da história recente e extremamente importante do nosso país, que foram os "anos de chumbo". 

Apenas para justificar minha falta de modéstia em relação à não alienação ao tema: em primeiro lugar eu sou fascinado por história e, portanto, já li livros sobre o assunto e vi filmes (como por exemplo, O que é isso companheiro?). Além disso, meus pais viveram suas juventudes cada um em cidades grandes e importantes do país naquela época: Meu pai em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro e minha mãe, em São Paulo. Isto pode parecer estranho, mas faz toda a diferença. Os pais de amigos meus que sempre moraram em Florianópolis fatalmente não sentiram fortemente o que foi a ditadura militar de maneira mais explícita, vamos dizer assim. Isto é, Floripa, nas décadas de 60 e 70 era uma cidadezinha de 90 mil habitantes (do tamanho de Tubarão, hoje), além de ter importância ínfima no cenário da política nacional, à época.
Meu pai também costumava passar horas conversando comigo sobre a história política brasileira e mundial que ele mesmo presenciou, depois dos nossos jantares, quando eu tinha entre uns 14 e 17 anos, quase que diariamente (e provavelmente é daí que surgiu meu interesse em história e política).

No dia Primeiro de Abril de 1964, às 5h da manhã meu pai e seu irmão dormiam tranquilamente no apartamento alugado, nas proximidades da UFRGS, em Porto Alegre, quando foram acordados aos sustos por um barulho ensurdecedor que eles não puderam identificar do que se tratava, até irem à janela e descobrir o que era: O barulho do atrito das correntes de tanques de guerra do Exército com os paralelepípedos da avenida próxima de onde eles moravam. Caminhões, tanques e tropas marchavam naquela madrugada até então tranquila. Seria um desfile de 7 de setembro fora de época?

Infelizmente, não.
       
O que estava acontecendo era que os Generais do Exército brasileiro estavam impondo mais ou menos isto:

“A partir de agora o presidente da República, senhor João Goulart, não exerce mais poder sobre a sociedade brasileira. Nós é que mandamos e quem discordar vai preso!”

Mas por que diabos eles iriam fazer isto, você deve se perguntar? Esta resposta começa a ser entendida 19 anos antes, com o final da Segunda Guerra Mundial. O mundo passou a ter dois donos: Estados Unidos e União Soviética. O primeiro pregava que todos os países deveriam ser capitalistas; já o segundo, que eles deveriam ser socialistas. Estes dois gigantes países disputavam de tudo: os jogos olímpicos, a conquista espacial (os Soviéticos mandaram o primeiro homem ao espaço e os americanos mandaram o primeiro homem à Lua), competiam pela maior produção de bombas atômicas e também disputavam por países que ainda não haviam se decidido se eram capitalistas ou comunistas, a exemplo do Vietnã. (O lado apoiado pela União Soviética venceu, expulsou os americanos e o país é socialista até hoje.)

Na década de 50 algo muito importante para nós, brasileiros, aconteceu: Che Guevara e Fidel Castro fizeram uma revolução em Cuba e implementaram o primeiro país socialista das Américas, com o apoio dos soviéticos. Cuba, além de ser uma pequena ilha a uma hora de vôo de Miami, era considerada "o bordel dos EUA", onde os ricos americanos lá iam fumar charutos, beber rum, desfrutar das famosas prostitutas cubanas e gastar seus dólares nos cassinos que lá existiam.

Então os Estados Unidos provavelmente pensaram: "O quê? Os russos estão tomando conta dos países aqui, embaixo do nosso nariz? É o fim da picada! Isto não pode ficar assim!"

Enquanto isso, no Brasil, estávamos desfrutando da democracia e de uma época de prosperidade nunca vista antes. Getúlio Vargas e Juscelino Kubistcheck deixaram legados de desenvolvimento econômico com benfeitorias aos pobres e com justiça social. OPA! Mas isto estava se parecendo com o discurso do pessoal favorável ao socialismo da União Soviética, também conhecidos como “de esquerda”. E não é que esse pessoal passou a também fazer parte da política nacional, chegando a eleger o vice-presidente de Jânio Quadros, o João Goulart?

Curiosamente algo muito semelhante estava acontecendo, ao mesmo tempo, na Argentina, no Uruguai e principalmente no Chile, com a liderança de Salvador Allende.

Em 1961, uns malucos de nomes Luiz Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário Prestes, juntos de seus camaradas socialistas tentaram levantar um golpe militar de esquerda contra à democracia brasileira, sem sucesso, como você deve ter assistido no filme Olga. Embora abafado, o golpe deixou o pessoal que gostava dos Estados Unidos e do Capitalismo (também conhecidos como conservadores, ou “os de direita”) com a luz amarela acesa: comunistas tentando tomar o poder?
E aconteceram outros eventos políticos conturbados de 1961 até 1964, que não vou explicar aqui para não ficar muito longo, mas o fato é que as Forças Armadas brasileiras sempre tiveram uma cultura super conservadora e, a partir do fracasso de Prestes e de sua galera esquerdista, os generais militares do Brasil ganharam um apoio de peso de alguém que já estava aborrecido (ou puto da cara) desde a façanha da dupla Fidel Castro e Che Guevara: os Estados Unidos.

O então presidente americano Lyndon Johnson teria dito: "Olha lá os comunistas livres na América do Sul! Já perdemos Cuba! Precisamos dar um basta!"

E foi assim que a CIA (a agência de inteligência americana) apoiou, não declaradamente, golpes de Estado pela América do Sul, a começar... por nós!


PARTE II – As verdades do golpe do dia da mentira


Agora que você já sabe o que levou os militares a tomarem o poder do Brasil, vou finalmente discorrer sobre o que me levou a escrever o texto: Uma tentativa de descrição simplificada e exemplificação do que foi, de fato, a ditadura militar no Brasil.

Então, a partir daquele momento em que meu pai e meu tio viram o poderio militar pelas ruas de Porto Alegre e que foi declarado, por rádio e televisão, que o Brasil estava sob controle das suas Forças Armadas, muita coisa mudou.

Vieram os Atos Institucionais, conhecidos como AI. O primeiro deles, o AI-1 suspendeu a constituição brasileira, e determinou que o presidente da república não seria mais João Goulart (que foi mandado embora do país), mas seria um escolhido pelo exército, estabelecendo as "eleições indiretas" para presidente. Ou seja, eles é quem escolhiam. O primeiro eleito foi o General Castelo Branco, que logo aplicou o AI-2, que determinou que, a partir de então, era o poder militar quem decidia o que era ou não crime contra a segurança nacional (e isto enfraqueceu o poder judiciário) e mandou acabar com todos os partidos políticos, apenas mantendo dois: o ARENA – Aliança Renovadora Nacional, pró-ditadura e que, depois de muito tempo passou a ser chamado PPB e hoje é o nosso famoso PP (dos Amin e Maluf) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, de oposição aos militares e hoje conhecido como PMDB (de Luiz Henrique, Michel Temer e outros peixes grandes).

E foi o Ato Institucional mais cruel o que também ficou mais conhecido, o famoso AI-5. Este ato, que nada mais é do que uma carta à sociedade, determinou coisas como o fechamento do Congresso (traduzindo, mandou deputados e senadores para casa), enfraqueceu o Supremo Tribunal de Justiça e permitiu que o presidente mandasse prender, cassar, aposentar e exilar quem ele bem entendesse à qualquer hora que ele quisesse.

O presidente que impôs o AI-5 foi o General Costa e Silva, que logo foi afastado por problemas de saúde e então quem se aproveitou de todos os poderes que este Ato lhe proporcionou foi o ditador mais autoritário que tivemos, o General Emílio Garrastazú Médici, conhecido também como Presidente Médici. Este sujeito fechou diversos jornais Brasil a fora, impôs censura aos artistas e meios e comunicação e foi disparado o general que mais prendeu, torturou e matou gente.

A minha mãe gostava, e ainda gosta de MPB, que estava nascendo naquela geração com Chico Buarque, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, entre outros. Mas ela teve que amargar a invalidez de Geraldo Vandré (brutalmente violentado pela tortura), o exílio do Caetano Veloso (ou seja, mandaram-no embora do país e, por isto Roberto Carlos o escreveu a música "embaixo dos caracóis de seus cabelos"; caracóis de Caetano!), mas ainda pôde apreciar a genialidade metafórica com que o Chico Buarque escrevia suas letras para passar despercebido pela censura.

Diz ela também que, em meio à galera, volta e meia aparecia algum rapaz que ninguém sabia de onde havia surgido. Geralmente era simpático e logo se entrosava com os estudantes. Depois de um tempo ele sumia e então todos se davam conta que ele, na verdade, era alguém do governo infiltrado para saber o que os estudantes estavam "tramando". Outros tipos de sumiço também se davam quando os amigos ou colegas eram mais exaltados e revoltados contra o governo opressor, o que geralmente terminava em prisão, exílio, tortura ou, não raro, morte.

Um amigão de meu pai era um desses. Certo dia resolveu pixar "abaixo à ditadura" nos muros da universidade e só não se deu mal porque alguém bem informado o avisou que ele estava sendo procurado. Subitamente o jovem se mudou para Brasília para escapar.

Em tempos de ditadura não há espaço para “manifestações pacíficas”. Ou aceita, ou leva porrada!

Na época do presidente Médici, o governo passou a escolher os governadores dos Estados, tirando dos cidadãos também este direito de escolha. Em Santa Catarina: Ivo Silveira, Colombo Salles e claro, Jorge Bornhausen. Em São Paulo, Maluf. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães,  o Toninho Malvadeza.
O governo também passou a determinar os prefeitos das capitais e cidades-fronteira. Não me recordo a lista dos prefeitos de Florianópolis, mas sei que o Esperidião Amin foi um deles (o que não quer dizer que tenha sido um mal prefeito, estou apenas dizendo que ele era, de fato, um político sustentado pela ditadura militar do Brasil).

O filme “O que é Isso Companheiro?” mostra com muita propriedade e realismo a façanha que um grupo de estudantes idealistas e revoltados com a situação de repressão no país empreende ao sequestrar o embaixador dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e exigir uma recompensa em troca de sua liberdade. Sabe que recompensa era esta? Dinheiro? É claro que não, eu estou falando de outra época, onde a liberdade não tinha preço. O que eles exigiram foi o exílio de colegas seus que estavam presos. Assim, indo legalmente para outro país (se eu não me engano eles foram para o México), aquele que discordava da política dos militares no Brasil poderia recomeçar uma nova vida sem torturas e sem prisão, porém longe de sua pátria.

        (Nesse meio tempo, os exércitos militares na Argentina e Uruguai tomaram o poder nos respectivos países. Augusto Pinochet tomou o poder do Chile em 11 de Setembro de 1974, prendeu 40 mil pessoas dentro do Estádio Nacional de Santiago, matou e torturou muita gente e fez do Chile um país amigo dos Estados Unidos).

O general Médici largou então o slogan de seu governo: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Pelo menos ele deu esta alternativa para quem não amava a ditadura e tampouco estava a fim de levar bala ou de ser torturado. Muitos intelectuais rebeldes à ditadura fizeram parte de uma lista imensa de exilados. Personalidades como: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Fernando Gabeira, Leonel Brizola, José Dirceu, Oscar Niemeyer, Gilberto Gil, Caetano, Raul Seixas e muitos outros. 

Enquanto isso, os milicos estavam tratando de seguir a cartilha americana para o desenvolvimento: privatizações, grandes obras (financiadas com dinheiro emprestado pelo FMI), sucateamento da educação pública, investimento em estradas e abandono das ferrovias, etc. Em primeiro momento, conseguiram passar uma falsa sensação de prosperidade ao povo brasileiro, com um crescimento econômico que logo foi desmentido e resultado em desigualdade social, falência do Estado (incapacidade de pagar os juros da dívida externa), inflação, crise financeira e tudo de ruim que estourou nos anos 80, a década perdida.

Um ano antes, em 1979, entretanto, a repressão cedeu um pouco e o governo permitiu que aqueles exilados regressassem ao país sem que fossem presos.
Concomitantemente, um sujeito com problemas de dicção estava sendo preso, no ABC paulista, por liderar a maior greve sindical da história do Brasil. Passado alguns anos, já solto, Lula subiu no palco do movimento Diretas Já juntamente com FHC, Serra e Brizola para pedirem aos generais e ao presidente General João Figueiredo que concedecem ao povo brasileiro o direito de ir às urnas e escolher o presidente do país. O movimento deu certo, mas ainda não foi daquela vez que nossos pais puderam votar. Existe ainda uma longa história envolvendo o falecido Tancredo Neves, mas abreviando o papo, tudo finalmente termina nas eleições de 1989, com o glorioso Fernando Collor de Mello como o primeiro presidente civil eleito pelo povo brasileiro após o triste e obscuro período da ditadura.




Depois de ter escrito, lido e relido este texto, eu ainda tenho a impressão de que não fui enfático na descrição do horror que é viver sem liberdade de expressão e com uma repressão armada e ostensiva pelas ruas de onde se vive. É razoável que eu não tenha sido convincente porque eu mesmo não sei o que é viver em tempos como este. O que eu tentei passar foi a minha indignação, como brasileiro que sabe que um grupo violento de pessoas mandou o país para o buraco e impediu que grandes pensadores da época fizessem o país deslanchar e se desenvolver, nos oferecendo uma herança terrível, como foi o Brasil da década de 90, a época em que eu cresci e convivi com inflação, estagnação econômica, desemprego, violência e principalmente desigualdade social.

Como já disse no início, o que me motivou a desabafar isto no meu blog foi a indignação com que eu li por aí ofensas falaciosas sobre o passado de lutas da Dilma Rousef contra a ditadura militar.
Até hoje em dia, há quem diga que aqueles tempos foram os "tempos de ouro do Brasil" e eu aceito esta posição com a categoria de quem já nasceu em uma nação democrática, sabendo respeitar as diferentes opiniões. Mas não aceito quem ouse atacar o ato digno de qualquer pessoa que um dia lutou por este direito que hoje eu gozo.


Na foto: Lula, Ulysses Guimarães, não-sei-quem, Orestes Quercia, Brizola, Franco Montoro, Tancredo Neves, não-sei-quem e Fernando Henrique Cardoso. (Três deles foram eleitos presidente do Brasil um dia).