terça-feira, 14 de outubro de 2008

aborto social, não!

Quem já leu o livro Freakonomicso lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, vai saber com mais propriedade sobre o assunto que eu terei a ousadia de abordar em seguida. Para quem não leu, vai aqui uma boa sugestão de leitura.

O autor é um americano, grande estudioso de economia, mas não da economia clássica. Ele pega fatos cotidianos e sociais e analisa os dados econômicos referentes e disponíveis para melhor entender todo o contexto.

Deixemos o americano momentaneamente de lado e vamos ao fato de que, no meio em que convivo (classe média e classe média alta) conheço muito mais gente que se diz a favor da pena de morte e que condenam o aborto. Claro, me parece muito fácil para nós, as vítimas da violência, manifestar todo o nosso ódio pela falta de segurança e liberdade dessa forma: morte aos bandidos (quando não muito raro, morte aos pobres!). Muito se ouve falar que a pessoa deve perder sua vida, pois é um elemento que a sociedade não consegue mais recuperar, não há possibilidade de que ele retorne a conviver civilizadamente. A solução: Morte, como em alguns Estados americanos.

Uma historinha de ficção:

Carnaval de 1990, no Rio de Janeiro. Emanuel era conhecido em sua comunidade pela malandragem. Vivia de bicos, e quando reunia dinheiro, o gastava em bares. Bebia até desmaiar e, então alguém o levava para casa. Tinha apenas 20 anos quando conheceu Roseana, uma jovem que logo começou a namorar, de idade 14. Muito apaixonada e sem informação (Roseana abandonou a escola e foi trabalhar como manicure), a jovem acabou engravidando de Emanuel, que logo tratou de fugir para outra comunidade onde pudesse viver como vivia antes, mas sem o peso da obrigação de criar um filho. Roseana cuidou, com o auxílio de sua mãe, do filhinho Kauê. Ao completar 5 anos, a avó de Kauê faleceu por complicações cardíacas (e por não ter acesso à assistência médica). Kauê cresceu e começou a freqüentar a escola. Lá conheceu diversas outras crianças. Entre elas, Jefferson: Um garoto que vivia usando tênis, bonés, roupas e óculos-escuro da moda, iguaiszinhos aos dos ricos (que Kauê observava pela televisão). Ao se aproximar de Jefferson, descobriu que, aos 12 anos, o garoto trabalha para Rivelino. Descobriu também que Rivelino é o dono da “boca” do morro onde mora, é o traficante. Mas Jefferson apenas recebe alguns trocados como fogueteiro e aviãozinho (funções muito comuns entre a gurizada no negócio do tráfico de drogas nas favelas). Kauê quer ter todos os acessórios e bens iguais aos de Jefferson (que agora tem até um iPod), mas sua mãe não lhe pode proporcionar: está suando muito para pagar a prestação de uma moto para poder atender seus clientes em casa e ganhar tempo.
Kauê não titubeia e oferece seus serviços a Rivelino. Começa a trabalhar na favela e a admirar os controladores do morro. Enxerga-os como heróis. Aos 15, querendo conquistar as garotas da comunidade, Kauê descobre que precisa portar uma arma e demonstrar total segurança de si: nada pode detê-lo, nem mesmo a polícia. Os próximos passos você já conhece, pois deve ter assistido a filmes que bem retratam essa realidade.
Hoje, Kauê tem 18 anos e é um dos comandantes do tráfico de drogas de sua favela. É um dos bandidos mais procurados no Rio de Janeiro.

É uma história de ficção muito corriqueira e presente em qualquer centro pobre do Brasil. Até mesmo na Rua do Siri dos Ingleses, na Tapera ou no Monte Cristo.

Essa condição de vida e de idealização distorcida de objetivos de vida concedida ao jovem é o que alimenta a violência que nos faz temer sair de casa a noite. Kauê, daqui a 10 anos será um bandido de alta periculosidade, com mais de 30 homicídios na ficha policial. Tornar-se-á uma máquina de ódio pronta para matar ou morrer. É bom lembrar que fomos nós quem induziu Kauê a buscar ser (externamente) uma pessoa que ele não é. Foram os nossos amigos, filhos de famílias tradicionais de Florianópolis, que foram lá comprar cocaína com o Kauê e pagar com o novo Nike Shox trazido dos Estados Unidos. Fomos nós que criamos a idéia de pessoa bem-sucedida (cujo quesito riquezabens materiais vêm em primeiro lugar). Nós o criamos. E agora, queremos eliminá-lo: Kauê custará ao Estado mais de 100mil reais anuais para mantê-lo preso, em 2012, contando com as diversas transferências para presídios de segurança máxima, a exemplo de Fernandinho Beira-mar. Por que não matar Kauê de uma vez? Ninguém mais o quer, nem mesmo Roseana, que se envergonha do monstro que criou e hoje mente ao dizer para as outras pessoas que seu filho morreu.

Mas, se desejamos matar Kauê, porque não evitá-lo antes mesmo de sua existência?

É aí que entra o economista americano. Segundo ele, os estudos feitos nos anos 80 nos Estados Unidos previam que no ano 2000 a violência seria tanta naquele país, que estaria instalado no país um verdadeiro caos. No ano de 1995, contudo, notou-se uma estabilidade no aumento da criminalidade em todas as cidades americanas. Justamente no ano 2000, obtiveram-se os menores índices de criminalidade em 35 anos. Steven Levitt (o nome do tal americano economista) foi em busca dessa curiosidade e reuniu três dados importantes, a partir do ano de 1973, o ano em que o aborto tornou-se legal em todo o país:
1- A partir desde ano, mais de um milhão de abortos foram realizados todos os anos, gratuitamente.
2- A grande maioria dessas grávidas que procuraram o aborto reunia o perfil de adolescentes, pobres e solteiras.
3- Estudos sobre a mente dos criminosos mostraram que a grande maioria deles veio de ambientes familiares adversos, e que uma criança com um ambiente familiar sadio tem pouquíssima probabilidade de desenvolver um perfil criminoso.

Levitt também verificou que os investimentos sociais os investimentos em as ações policiais nos Estados Unidos pouco evoluíram desde então.

Perfeito. A historinha que eu inventei acima, continha “apenas” um casal pobre formado por um pai ausente, uma mãe adolescente pobre, imatura, mas trabalhadora. Mas sabemos que existem cenários terrivelmente piores como pais alcoólatras e/ou drogados, violentos, abusadores sexuais (que podem, inclusive, estar presente em outras classes sociais mais elevadas). Essas pessoas reúnem, principalmente, a característica de não desejarem ter um filho, criá-lo e sustentá-lo.

Desde 1973, milhões de crianças que, devido suas condições sociais e familiares poderiam ter desenvolvido um perfil de bandido, simplesmente não nasceram.

Parece-me uma boa solução para o Brasil, cujo Estado, mesmo que queira, não consegue fazer-se efetivamente presente nas comunidades pobres e violentas para proporcionar boas perspectivas para as crianças que lá vivem, pois essas ações, além de custarem muito caro para atingir todos, devem partir do pressuposto de que a criança teve uma boa educação na primeira fase de sua vida, tratada com amor, respeito e dignidade, quando se cria o princípio de um caráter humano. É muito mais difícil reverter a situação, posteriormente.

Finalizo então, retomando o caso da pena de morte, que é a idéia da exclusão fácil de um problema criado por nós mesmos, pela sociedade toda e que deveria somente existir para solucionar casos de psicopatas, seriais killer (como aqueles malucos americanos que metralham colégios), pois estes são realmente incuráveis mesmo com boa formação familiar e tratamento psiquiátrico. Ainda assim fico receoso em mandar matar essas pessoas.

Investir forte em planejamento familiar, proporcionar que a pessoa possa se livrar de um peso que carregará a vida toda por causa de um eventual descuido ou por falta de informação sobre os métodos anticonceptivos. Que esta pessoa venha, então a gerar um filho somente quando ela realmente queira. É uma saída que deve ser repensada. É muito complicado, entretanto, para um país onde a Igreja com o maior número de fiéis se posiciona contra até mesmo os métodos anticoncepcionais (que dirá do aborto) e possui boa representatividade na câmara de deputados, que nunca aprovariam uma lei como esta. Uma pena, um retrocesso e um atraso de vida.


Lembrei, depois de ter escrito esse texto, que aquela música "Pátria que me Pariu", do Gabriel, O Pensador é bem alinhada com o que eu disse acima. Ouça!

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o texto!
Mas tenho que discordar a respeito do aborto, assim como a pena de morte, ngm tem o direito de tirar a vida de alguém. Sou espírita e acho que o aborto traz uma série de consequêcias espirituais. Ainda acredito que haja outros caminhos e opções que possam ser trabalhadas com essas pessoas. Acredito também que estamos pré-destinados, mas possuímos o direito de livre arbítrio. Claro, que nem tudo pode ser explicado por isto.
Não são só os menos favorecidos que precisam de atenção. Alguns pais mais favorecidos e desiquilibrados também estão precisando ensinar seus filhos de forma mais digna.
Esse assunto é bem complexo, talvez não tenha me expressado direito, mas fica aí minha opinião.


"O Espiritismo não aceita a legalização do aborto, nem com ela compactua, porque legalizá-lo é legalizar o crime e a irresponsabilidade. O "aborto seguro" com que acenam, dizendo-se defensores da vida da mulher, mesmo se verdadeira, não passa de uma proposta para o crime, em que saem em desvantagem as vítimas, os inocentes e indefesos conceptos e aparentemente premiada a irresponsabilidade, excetuando-se desta os casos de estupro, no qual também não justificamos o delito, pois mesmo aí existe um compromisso cármico a ser cumprido."