quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

For(ç)a Haole!!!

Apenas pequenos grupos de índios Carijós povoavam a área onde hoje se conhece por Florianópolis, em meados de 1500. Uma disputa política do outro lado do Oceano Atlântico, contudo, haveria de mudar para sempre a história desta ilha.
                Portugal e Espanha estavam disputando as terras da América do Sul e, após os tratados de Madri, Santo Idelfonso e outros das aulas de história que eu não me lembro, acertou-se, pelo Tratado de Tordesilhas, que o território português se estenderia até onde hoje é a cidade de Laguna. Para que as expedições espanholas chegassem até seus territórios mais ao sul (atuais Argentina e Uruguai), portanto, era necessário que se percorresse a costa brasileira.
                Não tardou para que os desbravadores espanhóis descobrissem uma ilha muito próxima ao continente, com uma baía de águas mansas, vegetação exuberante e abundância de água, animais e frutas em pleno território português. A Ilha de Santa Catarina tornou-se um ponto de parada perfeito para abastecimento e descanso em segurança dos espanhóis que seguiam viagem ao sul.
                Não se sabe, ou eu é que não sei, como era a convivência dos índios Carijós com os primeiros descobridores de Florianópolis. Mas, sabe-se que o povo Carijó foi amistoso, tranquilo nas relações que tiveram com europeus em outras regiões em que viveram.
                Também não tardou para que a coroa portuguesa soubesse da ousadia espanhola em ocupar um território que lhe pertencia. Preocupada com o vazio demográfico do sul do Brasil, Portugal passou a incentivar os movimentos bandeirantes, isto é, caravanas oriundas do centro do país para colonizar e povoar o sul do território Português.
                Ao final de 1600 chegou por aqui o paulista Francisco Dias Velho (não coincidentemente, o nome do primeiro viaduto de quando se cruza a ponte nos dias de hoje), que fundou Nossa Senhora do Desterro. Na verdade, eu não sei se ele deu este nome, mas foi assim que a então vila passou a ser chamada nos anos seguintes.
                Mesmo que algumas famílias de paulistas e vicentistas passaram a habitar a Ilha de Santa Catarina, os espanhóis continuaram utilizá-la como ponto de parada, até que Portugal decidiu equipar a Ilha militarmente. Deslocou um contingente do exército, vindo do Rio de Janeiro e mandou construir 4 fortes e (se não me engano) 3 fortalezas. Apenas a fortaleza de Sant’Ana não existe mais. Era uma intimidação à Coroa Espanhola que, mesmo assim, anos depois invadiu a Ilha e a dominou. Se você ficou interessado por esta passagem histórica, faça o passeio de barco para a Ilha de Anhatomirim. Lá é explicado detalhes desta época e o passeio é bastante agradável.
                Com a ilha agora sendo ocupada oficialmente por espanhóis, iniciou-se uma negociação diplomática entre Portugal e Espanha onde ficou acertada a devolução da Ilha de Santa Catarina à Coroa Portuguesa (em troca de outros territórios que você deve ter estudado nas aulas de história).
                Desterro volta a ser brasileira. Como ainda era parcamente povoada, assim como o resto do sul do Brasil, ainda com os incentivos aos bandeirantes, Portugal se aproveitou de uma inusitada superpopulação das ilhas dos Açores, por volta de 1700, para incentivar este pessoal a ocupar as áreas sulinas do Brasil. Porto Alegre é, hoje, a maior cidade açoriana do mundo. Florianópolis certamente é a segunda. Outras cidades foram colonizadas por este povo, que passaram a ser maioria no litoral sul do Brasil, na época.
                Passaram-se anos e Florianópolis, ainda chamada de Desterro, viveu pacatamente da agricultura, da pesca e da matança da baleia para o uso do seu óleo. Até que, finalmente, com a Independência do Brasil e a nomeação de Desterro como capital da província de Santa Catarina, os investimentos e a modernidade chegaram por aqui: Ponte Hercílio Luz, palácio do Governo, construções públicas, empregos. Ao final do século 19, finalmente a cidade veio a se chamar Florianópolis:  O então vice-presidente Floriano Peixoto assumiu a presidência à força depois da renúncia do primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro e, por isto, sofreu uma forte oposição (segundo a constituição da época, o vice-presidente só servia para convocar novas eleições). Floriano Peixoto desceu a lenha nos opositores do Rio Grande do Sul e de Desterro. Sobraram apenas simpatizantes do presidente por aqui que, por conta própria, mudaram o nome da cidade em sua homenagem.
                E Florianópolis viveu décadas de marasmo e servidorismo público. Era a segunda menor capital do Brasil, atrás apenas de Aracaju. Até que a sede da Eletrosul se mudou do Rio de Janeiro para a Ilha. Foi uma importante e pioneira movimentação econômica, seguida de outras posteriores como a instalação da Universidade Federal de Santa Catarina (trazendo seu corpo docente quase todo do Rio Grande do Sul e do Paraná). Com mais gente e com maior potencial econômico, mais pessoas vieram suprir as novas demandas comerciais, vislumbrando a oportunidade de iniciar a vida em um lugar que ainda tinha tudo para ser feito.
                Floripa então prosperou dos anos 70 aos anos 2000, cercada de propagandas sobre sua invejável qualidade de vida, oportunidades e belezas naturais. O crescimento populacional vertical melhorou a vida de muita gente: tinham-se mais clientes, mais renda.
                Até que depois da preguiça e da falta planejamento para suprir a demanda que naturalmente viria com toda esta propaganda, a cidade mostra-se hoje problemática, superpopulosa e com todos os problemas que você, que mora aqui, enfrenta diariamente.
                E aí após séculos de invasão de tudo quanto é tipo de gente à Ilha, alguns míopes chegam à fácil conclusão de que os culpados são os novos forasteiros: “Ora, o problema é que muita gente de fora vem para cá passar as férias e acaba ficando, entupindo nossas ruas”, dizem. “Não há espaço para tanta gente. Vão embora!”. “Fora haole”...
                Às vezes tenho raiva desse tipo de gente, mas entendo que esta opinião é fruto da ignorância completa, a começar pela ausência de conhecimento básico em história. Várias regiões do Brasil passaram por migrações intensas diversas vezes. A Ilha de Santa Catarina, como tentei mostrar, já foi espanhola, acabou sendo fundada por paulistas, teve contribuição de cariocas e gaúchos e hoje contempla a chegada de profissionais do mundo inteiro na área de Tecnologia da Informação. Isto acontece e acontecerá cada vez mais no mundo inteiro, com o desenvolvimento dos transportes e das comunicações.
                Mas, se é para iniciar um processo de retirada da Ilha como propõem por aí, nós, descendentes de Paulistas, Cariocas, Gaúchos e Açorianos somos intrusos também. Deixemos o sossegado povo Carijó.


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