quarta-feira, 22 de setembro de 2010

contra-ataque









PARTE I - Justificativas


É claro que em época de eleição eu não iria perder a oportunidade de ressuscitar o meu blog e escrever para os fantasmas virtuais e para o Ziggy, que eu sei, vai acabar lendo este texto. (Valeu, Ziggy!)

Como falta menos de um mês para as eleições e, no panorama presidencial, parece que a coisa já está bem definida, é inevitável que a parte perdedora tente de tudo para desviar o voto do eleitor já decidido, querendo lhe colocar uma pulga atrás da orelha. Veja bem, estou falando do candidato que está perdendo, seja quem for, pois não me surpreenderia se a candidatura Dilma também partisse para o apelo, caso o jogo estivesse invertido. Política no Brasil, por mais que tenhamos evoluído na última década, ainda é assim e o vale-tudo continua.

Acontece que eu comecei a reparar em um argumento ofensivo à Dilma Rousef que é, no mínimo bizonho: o de que ela é uma terrorista, e que já matou e perseguiu gente, entre outras coisas. Debatendo com uma amiga, então, finalmente percebi que esta inferência à candidata do PT se deve ao seu passado de militância contra a Ditadura Militar, o que não diminui o absurdo da acusação. Em primeiro momento, imaginei que fosse mais uma das falácias utilizadas de maneira genérica por qualquer candidato que está perdendo nas pesquisas, todavia depois fui surpreendido por argumentos que me fizeram perceber uma coisa: não se fazia idéia do que significava a Ditadura Militar no Brasil. Uns instantes depois, sozinho, refleti sobre o assunto e cheguei à conclusão de que, provavelmente, muitas pessoas da minha idade e do meu círculo social partilham desta lacuna histórica em suas mentes, por diversos motivos.

Colocando-me no lugar de uma exceção a esta situação generalizada, atrever-me-ei a relatar uma breve passagem da história recente e extremamente importante do nosso país, que foram os "anos de chumbo". 

Apenas para justificar minha falta de modéstia em relação à não alienação ao tema: em primeiro lugar eu sou fascinado por história e, portanto, já li livros sobre o assunto e vi filmes (como por exemplo, O que é isso companheiro?). Além disso, meus pais viveram suas juventudes cada um em cidades grandes e importantes do país naquela época: Meu pai em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro e minha mãe, em São Paulo. Isto pode parecer estranho, mas faz toda a diferença. Os pais de amigos meus que sempre moraram em Florianópolis fatalmente não sentiram fortemente o que foi a ditadura militar de maneira mais explícita, vamos dizer assim. Isto é, Floripa, nas décadas de 60 e 70 era uma cidadezinha de 90 mil habitantes (do tamanho de Tubarão, hoje), além de ter importância ínfima no cenário da política nacional, à época.
Meu pai também costumava passar horas conversando comigo sobre a história política brasileira e mundial que ele mesmo presenciou, depois dos nossos jantares, quando eu tinha entre uns 14 e 17 anos, quase que diariamente (e provavelmente é daí que surgiu meu interesse em história e política).

No dia Primeiro de Abril de 1964, às 5h da manhã meu pai e seu irmão dormiam tranquilamente no apartamento alugado, nas proximidades da UFRGS, em Porto Alegre, quando foram acordados aos sustos por um barulho ensurdecedor que eles não puderam identificar do que se tratava, até irem à janela e descobrir o que era: O barulho do atrito das correntes de tanques de guerra do Exército com os paralelepípedos da avenida próxima de onde eles moravam. Caminhões, tanques e tropas marchavam naquela madrugada até então tranquila. Seria um desfile de 7 de setembro fora de época?

Infelizmente, não.
       
O que estava acontecendo era que os Generais do Exército brasileiro estavam impondo mais ou menos isto:

“A partir de agora o presidente da República, senhor João Goulart, não exerce mais poder sobre a sociedade brasileira. Nós é que mandamos e quem discordar vai preso!”

Mas por que diabos eles iriam fazer isto, você deve se perguntar? Esta resposta começa a ser entendida 19 anos antes, com o final da Segunda Guerra Mundial. O mundo passou a ter dois donos: Estados Unidos e União Soviética. O primeiro pregava que todos os países deveriam ser capitalistas; já o segundo, que eles deveriam ser socialistas. Estes dois gigantes países disputavam de tudo: os jogos olímpicos, a conquista espacial (os Soviéticos mandaram o primeiro homem ao espaço e os americanos mandaram o primeiro homem à Lua), competiam pela maior produção de bombas atômicas e também disputavam por países que ainda não haviam se decidido se eram capitalistas ou comunistas, a exemplo do Vietnã. (O lado apoiado pela União Soviética venceu, expulsou os americanos e o país é socialista até hoje.)

Na década de 50 algo muito importante para nós, brasileiros, aconteceu: Che Guevara e Fidel Castro fizeram uma revolução em Cuba e implementaram o primeiro país socialista das Américas, com o apoio dos soviéticos. Cuba, além de ser uma pequena ilha a uma hora de vôo de Miami, era considerada "o bordel dos EUA", onde os ricos americanos lá iam fumar charutos, beber rum, desfrutar das famosas prostitutas cubanas e gastar seus dólares nos cassinos que lá existiam.

Então os Estados Unidos provavelmente pensaram: "O quê? Os russos estão tomando conta dos países aqui, embaixo do nosso nariz? É o fim da picada! Isto não pode ficar assim!"

Enquanto isso, no Brasil, estávamos desfrutando da democracia e de uma época de prosperidade nunca vista antes. Getúlio Vargas e Juscelino Kubistcheck deixaram legados de desenvolvimento econômico com benfeitorias aos pobres e com justiça social. OPA! Mas isto estava se parecendo com o discurso do pessoal favorável ao socialismo da União Soviética, também conhecidos como “de esquerda”. E não é que esse pessoal passou a também fazer parte da política nacional, chegando a eleger o vice-presidente de Jânio Quadros, o João Goulart?

Curiosamente algo muito semelhante estava acontecendo, ao mesmo tempo, na Argentina, no Uruguai e principalmente no Chile, com a liderança de Salvador Allende.

Em 1961, uns malucos de nomes Luiz Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário Prestes, juntos de seus camaradas socialistas tentaram levantar um golpe militar de esquerda contra à democracia brasileira, sem sucesso, como você deve ter assistido no filme Olga. Embora abafado, o golpe deixou o pessoal que gostava dos Estados Unidos e do Capitalismo (também conhecidos como conservadores, ou “os de direita”) com a luz amarela acesa: comunistas tentando tomar o poder?
E aconteceram outros eventos políticos conturbados de 1961 até 1964, que não vou explicar aqui para não ficar muito longo, mas o fato é que as Forças Armadas brasileiras sempre tiveram uma cultura super conservadora e, a partir do fracasso de Prestes e de sua galera esquerdista, os generais militares do Brasil ganharam um apoio de peso de alguém que já estava aborrecido (ou puto da cara) desde a façanha da dupla Fidel Castro e Che Guevara: os Estados Unidos.

O então presidente americano Lyndon Johnson teria dito: "Olha lá os comunistas livres na América do Sul! Já perdemos Cuba! Precisamos dar um basta!"

E foi assim que a CIA (a agência de inteligência americana) apoiou, não declaradamente, golpes de Estado pela América do Sul, a começar... por nós!


PARTE II – As verdades do golpe do dia da mentira


Agora que você já sabe o que levou os militares a tomarem o poder do Brasil, vou finalmente discorrer sobre o que me levou a escrever o texto: Uma tentativa de descrição simplificada e exemplificação do que foi, de fato, a ditadura militar no Brasil.

Então, a partir daquele momento em que meu pai e meu tio viram o poderio militar pelas ruas de Porto Alegre e que foi declarado, por rádio e televisão, que o Brasil estava sob controle das suas Forças Armadas, muita coisa mudou.

Vieram os Atos Institucionais, conhecidos como AI. O primeiro deles, o AI-1 suspendeu a constituição brasileira, e determinou que o presidente da república não seria mais João Goulart (que foi mandado embora do país), mas seria um escolhido pelo exército, estabelecendo as "eleições indiretas" para presidente. Ou seja, eles é quem escolhiam. O primeiro eleito foi o General Castelo Branco, que logo aplicou o AI-2, que determinou que, a partir de então, era o poder militar quem decidia o que era ou não crime contra a segurança nacional (e isto enfraqueceu o poder judiciário) e mandou acabar com todos os partidos políticos, apenas mantendo dois: o ARENA – Aliança Renovadora Nacional, pró-ditadura e que, depois de muito tempo passou a ser chamado PPB e hoje é o nosso famoso PP (dos Amin e Maluf) e o MDB – Movimento Democrático Brasileiro, de oposição aos militares e hoje conhecido como PMDB (de Luiz Henrique, Michel Temer e outros peixes grandes).

E foi o Ato Institucional mais cruel o que também ficou mais conhecido, o famoso AI-5. Este ato, que nada mais é do que uma carta à sociedade, determinou coisas como o fechamento do Congresso (traduzindo, mandou deputados e senadores para casa), enfraqueceu o Supremo Tribunal de Justiça e permitiu que o presidente mandasse prender, cassar, aposentar e exilar quem ele bem entendesse à qualquer hora que ele quisesse.

O presidente que impôs o AI-5 foi o General Costa e Silva, que logo foi afastado por problemas de saúde e então quem se aproveitou de todos os poderes que este Ato lhe proporcionou foi o ditador mais autoritário que tivemos, o General Emílio Garrastazú Médici, conhecido também como Presidente Médici. Este sujeito fechou diversos jornais Brasil a fora, impôs censura aos artistas e meios e comunicação e foi disparado o general que mais prendeu, torturou e matou gente.

A minha mãe gostava, e ainda gosta de MPB, que estava nascendo naquela geração com Chico Buarque, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, entre outros. Mas ela teve que amargar a invalidez de Geraldo Vandré (brutalmente violentado pela tortura), o exílio do Caetano Veloso (ou seja, mandaram-no embora do país e, por isto Roberto Carlos o escreveu a música "embaixo dos caracóis de seus cabelos"; caracóis de Caetano!), mas ainda pôde apreciar a genialidade metafórica com que o Chico Buarque escrevia suas letras para passar despercebido pela censura.

Diz ela também que, em meio à galera, volta e meia aparecia algum rapaz que ninguém sabia de onde havia surgido. Geralmente era simpático e logo se entrosava com os estudantes. Depois de um tempo ele sumia e então todos se davam conta que ele, na verdade, era alguém do governo infiltrado para saber o que os estudantes estavam "tramando". Outros tipos de sumiço também se davam quando os amigos ou colegas eram mais exaltados e revoltados contra o governo opressor, o que geralmente terminava em prisão, exílio, tortura ou, não raro, morte.

Um amigão de meu pai era um desses. Certo dia resolveu pixar "abaixo à ditadura" nos muros da universidade e só não se deu mal porque alguém bem informado o avisou que ele estava sendo procurado. Subitamente o jovem se mudou para Brasília para escapar.

Em tempos de ditadura não há espaço para “manifestações pacíficas”. Ou aceita, ou leva porrada!

Na época do presidente Médici, o governo passou a escolher os governadores dos Estados, tirando dos cidadãos também este direito de escolha. Em Santa Catarina: Ivo Silveira, Colombo Salles e claro, Jorge Bornhausen. Em São Paulo, Maluf. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães,  o Toninho Malvadeza.
O governo também passou a determinar os prefeitos das capitais e cidades-fronteira. Não me recordo a lista dos prefeitos de Florianópolis, mas sei que o Esperidião Amin foi um deles (o que não quer dizer que tenha sido um mal prefeito, estou apenas dizendo que ele era, de fato, um político sustentado pela ditadura militar do Brasil).

O filme “O que é Isso Companheiro?” mostra com muita propriedade e realismo a façanha que um grupo de estudantes idealistas e revoltados com a situação de repressão no país empreende ao sequestrar o embaixador dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e exigir uma recompensa em troca de sua liberdade. Sabe que recompensa era esta? Dinheiro? É claro que não, eu estou falando de outra época, onde a liberdade não tinha preço. O que eles exigiram foi o exílio de colegas seus que estavam presos. Assim, indo legalmente para outro país (se eu não me engano eles foram para o México), aquele que discordava da política dos militares no Brasil poderia recomeçar uma nova vida sem torturas e sem prisão, porém longe de sua pátria.

        (Nesse meio tempo, os exércitos militares na Argentina e Uruguai tomaram o poder nos respectivos países. Augusto Pinochet tomou o poder do Chile em 11 de Setembro de 1974, prendeu 40 mil pessoas dentro do Estádio Nacional de Santiago, matou e torturou muita gente e fez do Chile um país amigo dos Estados Unidos).

O general Médici largou então o slogan de seu governo: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Pelo menos ele deu esta alternativa para quem não amava a ditadura e tampouco estava a fim de levar bala ou de ser torturado. Muitos intelectuais rebeldes à ditadura fizeram parte de uma lista imensa de exilados. Personalidades como: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Fernando Gabeira, Leonel Brizola, José Dirceu, Oscar Niemeyer, Gilberto Gil, Caetano, Raul Seixas e muitos outros. 

Enquanto isso, os milicos estavam tratando de seguir a cartilha americana para o desenvolvimento: privatizações, grandes obras (financiadas com dinheiro emprestado pelo FMI), sucateamento da educação pública, investimento em estradas e abandono das ferrovias, etc. Em primeiro momento, conseguiram passar uma falsa sensação de prosperidade ao povo brasileiro, com um crescimento econômico que logo foi desmentido e resultado em desigualdade social, falência do Estado (incapacidade de pagar os juros da dívida externa), inflação, crise financeira e tudo de ruim que estourou nos anos 80, a década perdida.

Um ano antes, em 1979, entretanto, a repressão cedeu um pouco e o governo permitiu que aqueles exilados regressassem ao país sem que fossem presos.
Concomitantemente, um sujeito com problemas de dicção estava sendo preso, no ABC paulista, por liderar a maior greve sindical da história do Brasil. Passado alguns anos, já solto, Lula subiu no palco do movimento Diretas Já juntamente com FHC, Serra e Brizola para pedirem aos generais e ao presidente General João Figueiredo que concedecem ao povo brasileiro o direito de ir às urnas e escolher o presidente do país. O movimento deu certo, mas ainda não foi daquela vez que nossos pais puderam votar. Existe ainda uma longa história envolvendo o falecido Tancredo Neves, mas abreviando o papo, tudo finalmente termina nas eleições de 1989, com o glorioso Fernando Collor de Mello como o primeiro presidente civil eleito pelo povo brasileiro após o triste e obscuro período da ditadura.




Depois de ter escrito, lido e relido este texto, eu ainda tenho a impressão de que não fui enfático na descrição do horror que é viver sem liberdade de expressão e com uma repressão armada e ostensiva pelas ruas de onde se vive. É razoável que eu não tenha sido convincente porque eu mesmo não sei o que é viver em tempos como este. O que eu tentei passar foi a minha indignação, como brasileiro que sabe que um grupo violento de pessoas mandou o país para o buraco e impediu que grandes pensadores da época fizessem o país deslanchar e se desenvolver, nos oferecendo uma herança terrível, como foi o Brasil da década de 90, a época em que eu cresci e convivi com inflação, estagnação econômica, desemprego, violência e principalmente desigualdade social.

Como já disse no início, o que me motivou a desabafar isto no meu blog foi a indignação com que eu li por aí ofensas falaciosas sobre o passado de lutas da Dilma Rousef contra a ditadura militar.
Até hoje em dia, há quem diga que aqueles tempos foram os "tempos de ouro do Brasil" e eu aceito esta posição com a categoria de quem já nasceu em uma nação democrática, sabendo respeitar as diferentes opiniões. Mas não aceito quem ouse atacar o ato digno de qualquer pessoa que um dia lutou por este direito que hoje eu gozo.


Na foto: Lula, Ulysses Guimarães, não-sei-quem, Orestes Quercia, Brizola, Franco Montoro, Tancredo Neves, não-sei-quem e Fernando Henrique Cardoso. (Três deles foram eleitos presidente do Brasil um dia).

3 comentários:

Ziggy disse...

achei que tinhas desistido do blog... massa o post! pena que poucos vão ler... só uma dúvida, sempre achei que ARENA tinha virado PFL/DEM, não foi isso então?

DiogoBertussi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DiogoBertussi disse...

O que aconteceu foi o seguinte. Em 1985 os militares entregaram o poder aos civis. Mas, eleições diretas mesmo, só em 1989. Em 85, o Congresso Nacional (já reinstalado) é que elegeu o presidente do Brasil.
De um lado, Paulo Maluf, da ARENA, o candidato dos militares. Do outro, Tancredo Neves, do MDB, o candidato de oposição.

Porém alguns meses antes da eleição, alguns políticos da ARENA resolveram passar para o outro lado, entre eles: ACM, Jorge Bornhausen, José Sarney, entre outros. Os motivos reais são vários, mas principalmente porque eles não queriam perder a oportunidade de fazer parte do governo do Tancredo, já que sua vitória era a mais provável.

Para não ficar muito carudo, eles resolveram fundar um novo partido e se coligaram com o MDB. Batizaram-no de PFL, hoje Democratas.

No final da história, Tancredo venceu mas morreu antes de tomar posse e quem assumiu? O vice José Sarney, que tinha acabado de passar pro lado da oposição. A história da democracia do Brasil já começou desse jeito e quatro anos depois ainda me elegem o Collor!
Aí tu me arrombax...